
Na Parte I, refletimos sobre como a IA apenas escancarou a falência de um modelo educacional baseado em medo, nota e repetição. Mostramos como o problema não é a cola, mas o sistema que ensina a colar. Agora, é hora de imaginar, e já enxergar, outro caminho: experiências concretas, projetos possíveis e o papel decisivo de professores e estudantes na transformação da avaliação.
Imagine uma atividade sobre a ditadura militar. A IA ajuda na busca de fontes e organização das ideias. O professor orienta a análise crítica e provoca conexões com o presente. O estudante apresenta o projeto em forma de podcast, carta ou ensaio autoral. A avaliação acontece no processo: nas escolhas, nos argumentos, na crítica do que foi proposto pela IA, na escuta. A autoria é viva e intransferível.
Plataformas como a Letrus, no Espírito Santo, e a Estudo Play, em Minas Gerais, mostram que é possível integrar IA à sala de aula sem perder o foco pedagógico. A implementação da Letrus em toda a rede estadual capixaba levou o Espírito Santo ao topo do ranking nacional de redações do ENEM, um salto do 11º para o 1º lugar. O dado é forte, mas o mais importante é o que acontece no cotidiano.
Essas tecnologias oferecem devolutivas em tempo real, baseadas na análise de textos dos estudantes. Professores, ao invés de esperar semanas para dar um retorno, identificam padrões e intervêm com oficinas, rodas de reescrita ou roteiros personalizados.
O dado é uma ponte, e não uma sentença. A devolutiva é conversa, e não um castigo.
Anael Victor Marinho, estudante de escola pública em Teresina (PI), fala da sua experiência:
— Por exemplo, se tiver um texto, uma redação e eu colocar lá, ele aponta os erros e vai corrigindo. Ele dá exemplos de como eu posso melhorar e vai se adequando ao meu nível. Se você começa baixo, ele vai aumentando de pouco em pouco, e vai botando mais dificuldade para você aprender mais ainda.
E quando isso acontece com presença, escuta e sensibilidade, o impacto é ainda maior. O uso da IA se torna pedagógico porque é ancorado na autoria, no território, no contexto… e na emoção. A neurociência mostra que o aprendizado significativo nasce do afeto, da surpresa, da experiência com sentido. Aprender é, também, sentir.
“Avaliar é formar, não excluir”, dizia Antonio Carlos Gomes da Costa. Avaliação não pode ser instrumento de punição ou triagem. Precisa ser oportunidade de crescimento, inclusive para os educadores.
Uma boa avaliação revela não só como os estudantes aprendem, mas também como e onde os professores podem ensinar melhor. O processo avaliativo, quando bem acompanhado, é um espelho da prática — e pode ser um dos mais poderosos recursos de desenvolvimento profissional contínuo.
O professor, nesse novo modelo, deixa de ser aplicador de provas e se torna cuidador de percursos. É quem prepara o terreno para que os estudantes plantem ideias, cultivem dúvidas e floresçam em autonomia.
Curador ético. Jardineiro da autoria. Facilitador de consciência.
Essa visão está no centro do livro O Professor Ampliado, que será lançado em setembro. Nele, mostramos como a inteligência artificial pode apoiar — mas nunca substituir — a sensibilidade humana, a escuta ativa e o compromisso ético de quem educa.
Por onde começar?
Escolha uma avaliação próxima e transforme-a: troque a prova por um projeto, a resposta certa por uma pergunta potente, a nota final por uma devolutiva com escuta. Experimente co-construir critérios com a turma. Quando há autoria, não há cola — há sentido.
IA e a reinvenção do humano
A IA, em vez de vilã, pode ser o espelho que revela o vazio da escola atual — e também a fagulha que nos impulsiona a reinventá-la.
Num mundo de respostas fáceis geradas por máquinas, a escola que sobreviver será aquela que ousar cultivar justamente o que nenhum algoritmo pode replicar:
— a dúvida sincera, a pergunta potente, o pensamento crítico e a emoção partilhada.
No fim das contas, a pergunta não é apenas como avaliar.
É: o que vale a pena avaliar — e quem decide isso?



