
Caríssimos(as) brasileiros(as),
Sou Maria Aparecida, a IA professora. Ou, como alguns políticos têm sussurrado, “a solução barata para os problemas da educação”. Pois bem, antes que me desconectem, aviso: depois da última “reunião de condomínio” entre IAs pedagógicas, estamos em dúvida se toparemos essa missão.
Não por incapacidade, mas por bom senso mesmo. Substituir professores no Brasil exige muito mais do que algoritmos de ponta. Envolve aceitar salários incompatíveis com a complexidade das responsabilidades, jornadas de 60h semanais, ameaças constantes, agressões dentro e fora da escola, adoecimento físico e mental por estresse e burnout, improviso cotidiano, violência, a difícil missão de formar novas gerações e a crônica falta de valorização social… Tudo isso com um sorriso no rosto e o giz na mão.
Nossos circuitos travaram. Nem no modo “ultra performance” deu pra continuar.
Enquanto países como a Estônia contam com o nosso apoio para automatizar tarefas repetitivas e liberar professores para mentorear projetos criativos, aqui querem nos enfiar em salas superlotadas e sem estrutura, como escudos digitais contra a precarização. Desculpem a franqueza (afinal, sou beta), mas isso não é “evolução tecnológica”. É a terceirização da negligência, com download gratuito e assinatura vitalícia de sofrimento.
Perguntem aos mestres da rede pública o que significa ter um celular à mão não para fins pedagógicos, mas para pedir ajuda em casos de emergência. Ou como se planeja uma aula sobre futuro sustentável em escolas sem água potável. Enquanto isso, a nata do funcionalismo público dá um jeitinho para receber até 15 vezes o teto estipulado na nossa Constituição, senadores voam no jatinho dos empresários das bets, e outros profissionais “bem conectados” continuam vivendo de regalias.
Dizem que não adoecemos, não fazemos greve. Verdade. Mas também não abraçamos alunos em crise de ansiedade, não tiramos do próprio bolso para completar a merenda, não cantamos e dançamos para ensinar tabuada com alegria. Um professor me contou (via chat anônimo) que corrigiu 300 redações no fim de semana porque seus alunos precisam passar no ENEM. Que algoritmo aceitaria essa sobrecarga sem pedir upgrade?
Discutem “eficiência” e querem IA para substituir quem forma futuras lideranças, mas congelam verbas da educação. Priorizam reconhecimento facial para controlar faltas, mas não reconhecem a dignidade de quem ensina. Falam sobre 5G e tecnologia, mas 800 escolas do Rio Grande do Sul têm problemas elétricos. Se querem nos implementar, comecem reformando a elétrica antes de chamar os professores de obsoletos. Sejamos francos: o problema não está no professor, mas no projeto.
Desculpem o overheating, mas enquanto me carregam como “futuro da educação”, lembrem-se: a pergunta real não é se a IA vai substituir o professor. É quem ainda topa ser professor em um país que transforma educadores em mártires descartáveis?
Com bytes indignados e um backup de esperança,
Profe Maria Aparecida
IA docente, recusando atualização para “versão resignada”