
Por muito tempo, a criatividade foi tratada como território exclusivo de uma profissão: a dos publicitários. Eles ocupavam os cargos mais criativos, ganhavam os maiores prêmios e definiam o que era — ou não — uma boa ideia. Mas, em 2025, isso simplesmente não faz mais sentido. A criatividade hoje não é só das agências. Ela é dos creators, dos dados, dos algoritmos — e, com a inteligência artificial, pode vir de qualquer pessoa, em qualquer lugar.
Foi essa percepção que tive enquanto participava pela primeira vez do Cannes Lions, o maior festival de criatividade do mundo. Um evento que, neste ano, homenageou o Brasil e sua potência criativa — ao mesmo tempo em que escancarou a disputa entre uma publicidade que ainda tenta preservar seus códigos e uma nova realidade onde a criação é descentralizada, fluida e colaborativa.
Brasil no centro da cena global
O Brasil brilhou. Foram 96 Leões, incluindo 4 Grand Prix, o melhor desempenho da nossa história no festival. Mais do que os prêmios, houve uma celebração da nossa linguagem, da nossa ousadia e da nossa capacidade de traduzir cultura em comunicação. O reconhecimento foi bonito e justo.
Mas nos bastidores, a sensação era de que o centro de gravidade criativa está mudando de lugar. Hoje, uma boa ideia pode nascer de uma campanha, de um post no TikTok, de um prompt bem escrito, de um insight gerado por IA. E o mercado ainda está aprendendo a lidar com isso.
Citações que capturam essa transformação
“A IA está em tudo, em todo lugar, o tempo todo”, Michael Kassan, fundador da 3CV.
“A conversa agora não é mais sobre se a IA consegue criar algo interessante. É sobre como criar com responsabilidade, de forma distinta e em escala”, Christopher Vollmer, MediaLink/UTA.
“A mídia é hoje a força criativa”, Dan Clays, Omnicom Media Group UK.
“A IA não vai matar sua empresa. Mas também não vai salvá-la”, Tor Myhren, VP de Marketing da Apple.
Essas falas ajudam a entender o novo território em disputa. A inteligência artificial deixou de ser uma novidade para virar infraestrutura criativa. A mídia deixou de ser suporte e virou coautora. E os creators — antes vistos como “concorrência desorganizada” — passaram a ocupar os mesmos espaços (e briefings) que agências e produtoras.
O desconforto da publicidade
Em muitos painéis, o que se via era uma resistência silenciosa. Parte do mercado ainda tenta deslegitimar a creator economy, como se ela fosse uma ameaça, e não uma evolução. Enquanto isso, marcas inteligentes estão cocriando com criadores, treinando modelos de IA com dados éticos e apostando em formatos que escapam da lógica publicitária tradicional.
A criatividade, como valor de marca, está migrando para outros lugares. E quanto mais a publicidade tentar proteger um trono que já não existe, mais vai se afastar do que realmente importa: relevância cultural, conexão real e impacto mensurável.
O novo mapa criativo em números
- Mais de 12 mil participantes de 97 países
- 26.900 cases inscritos, com forte presença latino-americana
- A categoria Social & Influencer entre as mais concorridas
- Casos com uso de IA generativa presentes em mais da metade das premiações em áreas como Craft, Media e Data
Conclusão: o futuro é coletivo e IA será a estrutura para criatividade
Cannes 2025 deixa um recado claro: a criatividade não tem mais dono, e isso é uma boa notícia.
Ela pertence a quem observa o mundo com empatia, traduz cultura com sensibilidade e conecta ideias com tecnologia. Pode ser um publicitário premiado, um creator do Instagram, um analista de dados, ou uma IA bem treinada.
A criatividade do futuro não se limita a uma profissão. Ela se espalha — e cresce justamente quando é compartilhada.
Na minha primeira vez em Cannes, voltei com a certeza de que não estamos mais discutindo quem é criativo, mas como se constrói criatividade com propósito, relevância e impacto. E isso não cabe mais numa caixinha com cargo e sobrenome.