
Bolsonaro já tinha me provocado essa sensação outras vezes, mas, nesta semana, ela se impôs de maneira mais nítida. Não foi a robustez da nossa democracia que impediu o golpe — foi a estupidez do golpista. E você não precisa ser contra ou a favor de Bolsonaro para concordar comigo. Trata-se de um raciocínio frio, isento, amparado estritamente nos fatos e na História.
A democracia brasileira, em resumo, não resistiu a um gênio autoritário: ela apenas sobreviveu a um incompetente. E isso talvez seja o mais assustador. Se ele tivesse sido articulado, estrategista e minimamente perspicaz — em vez de reiteradamente tosco, errático e estúpido —, é bem possível que o desfecho tivesse sido outro. Porque Bolsonaro teria mais apoio popular.
Quando um líder com vocação autoritária conquista as massas, o caminho fica mais fácil: as instituições se encolhem, as Forças Armadas se curvam, o Congresso se acomoda, o Judiciário hesita. Ou seja, a legalidade se dobra diante da popularidade, e o que parecia inaceitável começa a soar inevitável.
Hitler, sempre o exemplo mais óbvio, foi eleito em uma Alemanha devastada: reergueu a economia, deu ao povo dignidade e ganhou carta branca para incendiar o mundo. Mussolini, apoiado pelo rei, domesticou o caos na Itália e foi celebrado até quando envenenou africanos com bombas químicas. Chávez, na Venezuela, distribuiu comida e eletricidade, enquanto Orbán, na Hungria, ofereceu crescimento e orgulho nacional. Todos esmagaram a democracia com a gratidão popular.
Bolsonaro teve essa chance. Assumiu um país cansado, faminto por justiça, e logo veio o que todo tirano tenta transformar em consagração: uma tragédia nacional. A pandemia poderia ter feito dele um líder incontornável — bastava oferecer direção, proteção, consolo. Mas preferiu o boicote às vacinas, o deboche diante da morte e o conflito contra qualquer ideia razoável surgida desde a invenção da roda.
Nesta semana, em depoimento ao Supremo, Bolsonaro deixou claro que, mais do que um golpista, agiu como um golpista amador. Admitiu ter reunido os comandantes das Forças Armadas para discutir um estado de sítio após perder a eleição. Perder. A eleição. Ora, se perdeu a eleição, é porque já havia perdido a maioria, o respaldo do povo. A verdade é que escapamos por pouco — não pela força das instituições, mas pela fragilidade do agressor. Convém levar isso a sério: um dia, o golpe pode vir embrulhado em competência.