
Choveu muito acima da média, eles repetem. Repare na entonação solene com que essa frase costuma ser dita. Prefeitos, secretários, diretores de autarquias e até o governador recorrem a ela como se anunciassem um maremoto, uma erupção vulcânica ou uma invasão alienígena. Como se a informação fosse suficiente para encerrar o assunto. Como se, diante dela, restasse a nós apenas a resignação silenciosa, a paciência com o inevitável e, claro, o reconhecimento público de que nossas autoridades não têm culpa alguma. Afinal, choveu muito acima da média.
O problema é que, se você pega o caso de Canoas, por exemplo, houve um bocado de chuvas acima da média nos últimos anos, certo? Só que o bairro Mathias Velho, curiosamente, só começou a virar um aquário depois da enchente de 2024. Não alagava antes como alagou agora. Por que será? Talvez porque o entulho daquela enchente ainda esteja, um ano depois, entupindo as tubulações por onde a água deveria escoar. O próprio prefeito Airton Souza reconheceu, na Rádio Gaúcha, que metade da rede ainda precisa ser limpa. E mesmo assim a culpa, segundo ele, é das chuvas acima da média.
Já no caso de Porto Alegre, a região no entorno da Arena sofre há décadas com alagamentos — e, de novo, não por conta das célebres chuvas acima da média, mas porque a prefeitura jamais tirou do papel as diretrizes que ela mesma traçou, lá em 2011. O plano diretor de drenagem prevê, desde aquela época, a ampliação da rede pluvial e a necessidade de dobrar a vazão da casa de bombas que atende o bairro Humaitá. Mas, num rigoroso cronograma de omissão, nem um metro de tubo foi feito em 14 anos.
Não dá mais para encarar toda chuvarada como evento excepcional: as tais chuvas acima da média só tendem a aumentar, e jogar a responsabilidade em cima delas é como culpar o termômetro pela febre. Porque o diagnóstico está feito há tempo. O que falta — e segue faltando em Canoas, em Porto Alegre e em boa parte do Estado — é tratar a doença. Isso se faz com drenagem adequada, obras de prevenção, manutenção regular. E, acima de tudo, com respeito por uma população cansada de temer que qualquer gota a mais vire desastre.