Um homem carregando nas costas a cabeça de Florêncio Ygartua. A cena bizarra foi flagrada no último dia 17 por uma viatura da Brigada Militar: com o corpo inclinado para a frente e as mãos atrás da cintura, o ladrão caminhava na Rua Tiradentes, às duas da manhã, com o busto de bronze que homenageia o médico morto há 80 anos.
A peça, com mais de 20 quilos, deveria estar a algumas quadras dali – desde 1942, ela fica no topo de um obelisco na Praça Júlio de Castilhos, no encontro da Avenida Independência com a Rua Ramiro Barcelos. Aliás, ficava. A prefeitura agora avalia se devolve o busto ao local ou se, no lugar dele, instala ali uma réplica de resina, como tem feito com dezenas de outros monumentos vandalizados.
Eis um bom desafio para o novo governo – como se sabe, o prefeito Melo assumiu prometendo uma cidade mais bonita e bem-cuidada. E Porto Alegre, proporcionalmente ao seu tamanho (de pequena metrópole, claro, portanto não dá para comparar com Roma ou Londres), está entre as cidades com maior número de monumentos públicos do planeta.
Esse deveria ser um orgulho da Capital: são raríssimos os municípios em que qualquer praça, qualquer canto, qualquer rótula tem uma pequena obra de arte.
– Por outro lado, não se tem notícia de outra cidade no mundo, em tempos de paz, que tenha perdido mais monumentos. Nas últimas duas décadas, pelo menos um terço das nossas 300 obras sofreu perda total – calcula o doutor em História da Arte José Francisco Alves, autor do livro A Escultura Pública de Porto Alegre.
Esse surto recente de vandalismo e ladroagem coincide com a epidemia do crack. Não se trata de uma quadrilha especializada em comércio ilegal de arte: em Porto Alegre, obras belíssimas são trocadas por droga e, depois, viram torneiras e canos de bronze.
A solução não passa só por uma estratégia de segurança, com câmeras vigiando a cidade inteira – o que é importante, claro –, mas também por uma iniciativa eficiente para acolher o batalhão de zumbis que vagueia atrás da pedra. No caso do busto de Florêncio Ygartua, segundo o delegado Hilton Müller Rodrigues, da 3ª Delegacia de Polícia Distrital de Porto Alegre, o homem que o carregava nas costas será indiciado por furto qualificado ou receptação.
Ele foi liberado naquela mesma madrugada.
Com Rossana Ruschel