A Câmara dos Deputados aprovou na segunda-feira proposta já chancelada pelo Senado para, até 2031, retirar R$ 5 bilhões por ano de gastos na área de defesa dos cálculos da meta fiscal. Para 2025, R$ 3 bilhões serão excepcionalizados. A adesão foi ampla, de governistas e da oposição. Trata-se de um episódio ilustrativo a demonstrar a perda crescente de credibilidade do arcabouço fiscal, em vigor há pouco mais de dois anos.
Se nem o governo, que criou o mecanismo, zela pela sua respeitabilidade, dificilmente o Congresso faria esse papel
A regra que deveria ser a âncora a garantir a responsabilidade com as contas públicas caminha para a desmoralização. Se nem o governo, que criou o mecanismo, zela pela sua respeitabilidade, dificilmente o Congresso faria esse papel. Sobretudo às vésperas de mais um ciclo eleitoral. A toda hora novas despesas fora da norma são aprovadas. Pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), as deduções da meta, por enquanto, somam cerca de R$ 150 bilhões entre 2024 e 2026.
Há gastos que, frente a situações imprevisíveis, justificariam a excepcionalidade. É o caso da ajuda federal ao RS devido à enchente de 2024. Mas há outras despesas, como essa para a área da defesa, investimentos no PAC e o ressarcimento a aposentados do INSS prejudicados por descontos fraudulentos, que poderiam muito bem ser acomodadas dentro da meta. Isso, claro, desde que, como em qualquer família ou empresa com as finanças apertadas, existisse disposição para cortar gastos. Mas optou-se por banalizar a burla.
As exceções, em especial as de mérito frágil, são uma forma de driblar o compromisso fiscal e aumentar gastos. Oficialmente, não são consideradas nas métricas que apuram o resultado. Mas os recursos são desembolsados e elevam a dívida pública, em trajetória explosiva. Assim, o arcabouço fiscal tem a credibilidade abalada como um sinalizador da saúde das contas do país. Há implicações práticas. As expectativas de inflação se mantêm pressionadas e o Banco Central é obrigado a manter o juro em patamar estratosférico. O mercado também cobra prêmios maiores para investir em títulos do governo.
No ano passado, o rombo real foi de R$ 43 bilhões, mas o déficit contabilizado foi de R$ 11 bilhões, o equivalente a 0,09% do PIB. Assim, foi cumprida a meta de déficit zero, com tolerância de um resultado negativo igual a 0,25% do PIB. Para 2025, mesmo com o aumento dos valores fora da meta para R$ 47 bilhões, o esforço será mais árduo para chegar a um buraco equivalente a 0,25% do PIB (ou R$ 31 bilhões) e cumprir a regra. Conforme a IFI, o governo vai precisar de um superávit de R$ 27,1 bilhões no último trimestre. Na prática, o governo abandonou o objetivo de mirar o déficit zero e passou a ter o máximo rombo permitido na norma como objetivo.
Em setembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Planalto mirasse o centro da meta, e não a banda inferior. Em outubro a Corte recuou e, na semana passada, o governo conseguiu o aval do Congresso para ser mais frouxo. Se a orientação original do TCU fosse seguida, as emendas parlamentares teriam de entrar na lista de despesas decepadas. Os interesses próprios falaram mais alto e, ao fim, governo e Congresso se associaram na irresponsabilidade.



