A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul acaba de dar um exemplo de sensibilidade, espírito público e convivência entre contrários ao aprovar, por unanimidade, a recriação da Secretaria da Mulher no governo Eduardo Leite. Extinta em 2015 no âmbito de uma reforma administrativa promovida pelo Executivo, a volta da pasta tornou-se necessária e urgente depois do registro de 10 feminicídios no Estado durante o feriado de Páscoa, o que gerou imediata mobilização da bancada feminina do Legislativo gaúcho comandada pela deputada Bruna Rodrigues (PCdoB). Apesar de a proposta ter partido da oposição, o governo acatou prontamente a ideia e encaminhou o projeto de criação da nova estrutura, que terá 28 cargos comissionados ao custo de R$ 3,4 milhões por ano.
O gasto orçamentário estará plenamente justificado se a secretaria alcançar seus propósitos prioritários de assegurar mais eficácia no combate à violência de gênero e reforçar o serviço de acolhimento às mulheres, oferecendo-lhes políticas públicas de respeito, valorização e abertura de oportunidades. A causa das mulheres não é só delas: é de todos os cidadãos que desejam viver numa sociedade justa, civilizada e desprovida de preconceitos.
No Rio Grande do Sul, apenas até a metade deste ano já foram registradas 36 mortes de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado – número que o movimento Lupa Feminista garante ser maior, com o registro de pelo menos 57 casos
Não se pode mais aceitar como normal nem como tolerável que as mulheres continuem sendo discriminadas, maltratadas e até assassinadas no país sem que o poder público, em todas as instâncias, aplique medidas mais eficazes de prevenção e contenção dessa barbárie. Segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero, produzido pelo Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV), do Senado Federal, pelo Instituto Natura e pela Associação Gênero e Número, com base nos dados do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp), do Ministério da Justiça, quatro mulheres são mortas todos os dias no Brasil em consequência do crime de feminicídio. No Rio Grande do Sul, apenas até a metade deste ano já foram registradas 36 mortes de acordo com a Secretaria de Segurança Pública do Estado — número que o movimento Lupa Feminista garante ser maior, com o registro de pelo menos 57 casos.
O que causa maior perplexidade nestes apontamentos oficiais e extraoficiais é a constatação de que muitas destas vítimas dispunham de medidas protetivas fornecidas pela Justiça e pelos órgãos da Segurança Pública. Ou seja: o poder público vem falhando dramaticamente na sua atribuição de proteger mulheres que conseguem romper barreiras emocionais e driblar seus agressores para buscar ajuda.
Cabe à nova pasta, portanto, trabalhar intensamente pela reestruturação das Delegacias da Mulher, que atuam de forma precária e sem efetivo suficiente para prestar atendimento digno às vítimas de assédio moral e maus-tratos. Será também de sua atribuição coordenar os programas governamentais de acolhimento, capacitação profissional e inclusão produtiva das vítimas de violência doméstica.
Porém, a luta contra o machismo estrutural e contra a violência de gênero não pode ser exclusiva dos movimentos femininos nem ficar somente a cargo da Secretaria da Mulher. Todos os setores da sociedade rio-grandense precisam se envolver num amplo movimento de conscientização, de educação dos jovens e de responsabilização rigorosa dos criminosos, conjugando prevenção e punição, até que a infâmia do feminicídio seja abolida do cotidiano dos gaúchos.

