Minha amiga Rosane Tremea está fazendo uma exemplar transição do jornalismo para a literatura. Depois de três décadas de atividade em redações de jornais como repórter, editora e colunista, ela fez mestrado em escrita criativa e lançou o seu primeiro romance, Cecilia, Antonio e eu, no qual recria, com pitadas de humor e afeto, a trajetória de seus bisavós italianos da Europa para o interior do Estado.

É uma leitura obrigatória neste ano em que o Rio Grande do Sul celebra os 150 anos da imigração italiana. Vale uma busca na Feira do Livro, onde ela autografou a obra no último domingo. A narrativa baseia-se numa cuidadosa investigação jornalística, mas as cerejas do bolo são as passagens de ficção acrescentadas com pertinência e sensibilidade à história real.
Não é fácil para um jornalista sair da objetividade para o devaneio. O escritor peruano Mário Vargas Llosa aborda esse dilema no seu magnífico ensaio A Verdade das Mentiras, no qual analisa mais de 30 romances de autores famosos e conclui que a ficção nos oferece a oportunidade de viver experiências que não tivemos e de observar a vida de outros através dos livros. É o que nos proporciona o livro de Rosane. Virginiana obsessiva e temerosa de cruzar a linha da veracidade, ela aproveitou uma entrevista com a consagrada romancista Isabel Allende – que também começou pelo jornalismo – para perguntar-lhe como foi sua transição. A chilena brincou:
— Para mim foi fácil, pois eu era uma péssima jornalista. Inventava coisas. Para bons jornalistas é mais difícil.
Pode ser, mas Rosane está encarando bem o desafio. Tanto que acaba de receber o prêmio internacional do concurso Racconti intorno al Vino, promovido pela Associazione Nazionale Città del Vino, da Itália. Em setembro, viajou para a cerimônia de premiação e passou por um sobressalto digno de ficção. Sem transporte para retornar ao hotel, à noite, teve que percorrer a pé, sozinha e no escuro, um trecho de dois quilômetros numa estrada deserta da zona rural do Lácio. No caminho, percebeu que alguns animais cruzavam rapidamente por ela, sem conseguir identificá-los. Eram javalis. Por sorte, chegou intacta – e com mais uma história para contar.
Não resisti ao trocadilho no título, mas o prêmio é importante e contempla sua evolução como escritora.





