
Ganhei uma caneta do Pinóquio.
O marciano que por ventura ler essa frase certamente vai pensar que um sujeito chamado Pinóquio presenteou o cronista com uma caneta. É uma interpretação literal e razoável da afirmativa. Mas o terráqueo bem informado sobre o personagem imaginário do italiano Carlo Collodi saberá que a preposição conjugada com o artigo está sendo usada para indicar a temática da caneta.
Como se vê, é possível contar uma mentira dizendo-se apenas a verdade.
A caneta é bem engraçadinha. Tem esculpida em madeira, na parte superior, a cabeça do boneco Pinóquio com nariz grande e tudo. Veio de Florença pelas mãos de uma sobrinha que recém retornou de viagem à Itália. Foi a lembrança que me trouxe. Claro que reagi com fingida indignação:
— Como assim, uma caneta com a cara do Pinóquio para um jornalista? Tem alguma insinuação aí?
— Tem! — me respondeu ela, que também é do ofício. E completou: “A história de Pinóquio não é sobre mentira. É sobre a importância de se buscar a verdade.”
Nesse sentido, vale lembrar que a história original — escrita pelo florentino Carlo Lorenzini, que estudou e passou parte da infância na cidade de Collodi, adotando o nome dela como pseudônimo — é bem diferente do conto de fadas edulcorado dos desenhos animados da Disney. O boneco falante que virou criança era tão malvado que não poupou nem a vida do Grilo Falante, seu bom conselheiro. Mas o que ficou no imaginário popular desse clássico da literatura foi mesmo a fantasia do nariz crescendo a cada mentira.
Metáfora atualíssima nestes tempos confusos que estamos vivendo, em que é cada vez mais difícil distinguir o verdadeiro do falso. Pensando bem, antes de se tornar humano, o boneco de madeira imaginado em 1881 talvez tenha sido a primeira inteligência artificial a se voltar contra seu criador. Fake news era com ele mesmo. Agora é moda, principalmente entre os governantes de grandes potências mundiais e senhores da guerra, que dizem uma coisa num dia e fazem o oposto no outro. Bem que a Fada Azul do conto infantil podia lançar sobre eles aquela maldição do nariz crescente. Eu assinaria em baixo. Com a minha caneta nova.