
Em uma semana, pelo menos dois jogos envolvendo times europeus devolveram a alguns de nós, torcedores brasileiros, uma dúvida excruciante. Estariam PSG e Inter de Milão, que fizeram a final da Liga dos Campeões, mais Espanha e França, que disputaram a semifinal da Liga das Nações, jogando futebol de fato e a gente por aqui praticando algo que lembra remotamente o esporte original?
Muitas vezes durante estas duas partidas eu tive a sensação de que eles alcançaram um nível de competitividade, qualidade, exuberância física e lisura desportiva que nós, por aqui, não estamos nem perto. E há razões que me parecem claras para explicar esta constrangedora distância, piorada depois que vimos o Brasil de Carlo Ancelotti empatando em zero contra o Equador numa disputa absolutamente medíocre dias atrás.
No cenário nativo, o problema principal está na malandragem porca que insistimos em tolerar e não raro incentivar nos campos tupiniquins. Um goleiro faz defesa milagrosa e o feito o autoriza a ficar alguns minutos no chão pretextando uma lesão que não sofreu.
O atacante entra na área e se joga no chão querendo um pênalti que não sofreu. O zagueiro comete um pênalti e, ato contínuo, disfarça a falta partindo de dedo em riste para cima do adversário que ele acabou de derrubar.
Como adereço triste deste combo de pequenas ou nem tanto desonestidades toleradas em nome da vitória a qualquer custo, o Brasil é o país que apatifou o instrumento de socorro à arbitragem que dá certo no mundo todo, o VAR.
Colete chinfrim
O futebol brasileiro é onde se usa um colete chinfrim de cor chamativa colocado no corpo do treinador que não teve o cuidado de vestir uma roupa que não fosse da cor do uniforme do seu time nem do adversário. Aí, fica ele a gritar e gesticular com aquele pequeno colete esvoaçante horroroso como se estivesse à beira do campo num casados versus solteiros valendo engradado de cerveja.
Aqui é onde o goleiro se autoriza a pendurar uma toalha na rede lateral da sua goleira porque ele não percebe que se trata de um espetáculo esportivo profissional visual que precisa seduzir em todos os seus detalhes. O Brasil tem o cenário permissivo em que gigantes endinheirados como Palmeiras e Atlético MG, em seus suntuosos estádios, colocam gramado sintético para gastar menos na manutenção ao invés de comprar dez plataformas de iluminação artificial que cobrissem toda extensão do gramado para garantir sua qualidade.
Somos o país onde os dirigentes cogitam formar uma liga para organizar a competição nacional e vendê-la como ouro para o mercado internacional ao mesmo tempo em que lançam dúvidas sobre a honestidade do campeonato, do árbitro e da imprensa quando perdem um jogo por conta de um pênalti mal marcado.
Nunca vi um treinador de coletinho na Premier League. Nunca vi um treinador ou um dirigente naquela competição dizendo que o árbitro tal erra sempre contra seu time. Nunca vi John Textor dizer algo assim quando seu Crystal Palace é prejudicado pelo erro do apito na Inglaterra.
No Brasil, o mesmo Textor autorizou-se dizer, sem provas, que gigantes paulistas e alguns de seus jogadores venderam jogos e resultados. Sabe o que deu para o excêntrico milionário norte-americano? Absolutamente nada.
A Argentina tem um campeonato nacional inchado onde nem há rebaixamento. Na verdade, dois, Apertura e Clausura. O caos. Porém, a seleção campeã do mundo parece blindada da bagunça local.
Temor brasileiro
Embora não ande encantando como espanhóis ou franceses, o time de Scaloni já está classificado para a Copa do Mundo 2026. A atual campeã da Copa América é extremamente competente e se entrega ao jogo à medida em que é demandada.
Então, quando você puxa a folha corrida de tudo que acontece no futebol brasileiro, fica mais fácil entender o contexto geral em que vemos Espanha 5x4 França e sentimos profunda inveja.
Mais: tememos, como torcida brasileira, que qualquer destas seleções imponha um novo 7x1 na Seleção Brasileira na próxima Copa. Neste sentido, a vinda de Carlo Ancelotti pode ser profilática. E olha que aqui escreve alguém que toma cuidado para não se deixar contaminar por xenofobia nem por complexo de vira-lata.
Veio treinar o Brasil um dos melhores técnicos do mundo. Terá pouco tempo de trabalho cotidiano até confirmar a Seleção na Copa de 2026, vai conseguir mais sessões de treinamentos no período imediatamente anterior ao torneio. A estreia não foi promissora, o time de azul em Guayaquil parecia o mesmo de Dorival ou Diniz, mas é apenas o início.
Em paralelo, o novo presidente da CBF promete conversar no curto prazo com os clubes pela liga, promete melhorias na arbitragem investindo no que chamou de educação continuada e, especialmente, na implantação do VAR com impedimento semiautomático. Dê-se a Xaud o crédito de quem está só começando.