
A manchete sugere uma receita pronta que resolveria tudo assim que aplicada, mas em se tratando de futebol, não é assim que acontece.
Nos debates esportivos, o público consumidor ouve sentenças opostas sobre o quanto o futebol pode ser simples ou complexo.
O futebol é muito simples...
E aí vem a receita que você, ouvinte, pensa de imediato: mas se é tão simples, por que os caras não fazem?
Logo depois, o replicante da mesa vai para o outro extremo e diz:
O futebol não é tão simples quanto parece...
E emite um conceito que se opõe ao primeiro e transforma o futebol em análise combinatória. Por isso o Sala de Redação tem mais de 50 anos de existência e lidera a audiência no seu horário desde sempre.
Simples e complexo
Porque, na verdade, o futebol pode ser muito simples e muito complexo. Se um treinador tiver à disposição Busquets, Iniesta, Xavi e Messi, o futebol dá a ele a chance de simplificar e ganhar.
É tanta qualidade à disposição que basta atribuir a cada um a melhor função que case com suas características e pronto: vai se ver em campo encantamento e resultado.
Flamengo de Jesus
No cenário brasileiro, valeria para Willian Arão, Gérson, Éverton Ribeiro e Arrascaeta no Flamengo de Jorge Jesus em 2019. Quanto mais simples o técnico propuser seu modelo, tanto maior será sua sabedoria e sua chance de sucesso.
Guardiola
Guardiola, quando seu Barcelona fez um quatrilho contra o Santos na final do Mundial de 2011, foi perguntado por um repórter brasileiro sobre como o treinador explicava aquela exuberância toda. O espanhol respondeu:
É simples: faço no meu time o que vocês brasileiros faziam em 1970. Tenho a bola, proponho o jogo, ataco, marco longe do próprio gol porque se a bola estiver comigo longe do meu goleiro é muito menor a chance de eu levar gol
GUARDIOLA
Técnico de futebol
E por aí se foi. Simples, Guardiola.
Quando falta qualidade
Porém, ah, porém...quando escasseia a qualidade, a complexidade do jogo se apresenta em toda sua essência. Porque o futebol é um esporte coletivo praticado por gente e não por algoritmos.
Embora o comentarista possa chamar o jogador de peça para falar do funcionamento amplo do time, é uma pessoa de chuteira que está lá, que pode ter dormido mal, estar preocupado com o filho que não para de tossir ou o salário que atrasou.
Vai interferir no seu rendimento. Se este mesmo jogador for comum ou pouco acima disso, cada um por cento que jogue a menos será fatal para o resultado final. É quando entra o papel mais decisivo do técnico.
Mano tem pouca opção
Sejamos específicos: Mano Menezes tem pouquíssima qualidade à disposição no elenco que dirige. Na base da tentativa e erro, já tentou fechar o condomínio, por último abriu todos os portões para tentar ganhar do Godoy Cruz na Arena, já pôs de capitão um jogador que na partida seguinte nem saiu do banco, foi buscar no desespero um armador que não arma nem confusão, tamanho seu descompromisso com o que está acontecendo à volta.
Mano sabia, ao assinar contrato por mais de milhão por mês, que encontraria legado zero de Quinteros e teria muito trabalho para encontrar um time confiável. Talvez não fizesse ideia do quanto pior era o cenário assim que começasse a ver de perto o que se passava.
Agora é tarde, ele terá a missão de cumprir objetivos por partes. Do mais singelo ao mais nobre. Antes e acima de tudo, Mano Menezes precisará achar um time que possa repetir para dotá-lo de rotina. Este time goleará de 1x0, tal como na vitória sobre o Santos, empatará muito e perderá quando for inevitável.
Como tem pouco tempo para treinar, Mano vai buscando certezas na amostragem dos jogos e não dos treinos. Já identificou, por exemplo, que Wagner Leonardo é mais do que titular na zaga esquerda. É também um líder com pouco tempo de clube e merece manter-se entre os onze com Kannemann, veja só, no banco de reservas.
Ao ver em ação seus meias, Mano percebeu que sentia saudade do que não jogava. Parece ter desistido de Cristaldo, pretende ensinar movimentos coletivos sem bola para Monsalve e espera ver chegar alguém na janela. Com Edenilson, tenta montar um meio-campo de mobilidade que marque e jogue, mas é pesado basear a estratégia do setor num jogador tão discutível.
Na frente, Braithwaite é confiável na entrega, mas não é por onde o Grêmio será puxado para cima. Em meio a tudo, João Pedro faz golaço de pé esquerdo, deixa avenida de quatro pistas às costas na defesa e se machuca com alguma frequência. Villasanti, Mano deve pensar, precisa ser usado na dele, segundo volante. No entanto, o primeiro volante dos sonhos insiste em não chegar ao nível ideal de competição, Cuellar.
No lado direito da zaga, Jemerson causa calafrio na torcida, o que não tem solução imediata porque ele é o único de pé direito à disposição. Só a janela de daqui a pouco pode dar a Mano Menezes outra opção.
Até lá, jogo sábado e terça, como agora contra o São Paulo no Morumbi e o CSA na Arena. Ah, tem isso também. O Grêmio não consegue deter o foco numa competição só. Precisa pontuar no Morumbi para não voltar ao Z-4 do Brasileirão. Tem que ganhar do time alagoano para não ser eliminado da Copa do Brasil.
Na Sul-Americana, tudo leva a crer que precisará jogar mais duas partidas de seletiva contra um terceiro da Libertadores para tentar chegar às oitavas. Como se fosse um oásis, Mano sonha com a parada do Super Mundial para ter 20 ou 30 dias de trabalho intenso e ininterrupto.
Conta com pelo menos três reforços para o time titular, só que o clube já antecipou receita de televisão do ano que vem, sua capacidade de investimento é pequena. Passado o turbilhão, o treinador espera garantir, pelo menos, o mais urgente para o futuro do Grêmio. A permanência na Série A para 2026. Todo resto, talvez Mano tenha que negociar.
Ricardo Mathias
Autor do primeiro gol da vitória vital sobre o Nacional no Uruguai, o jovem centroavante deve estar em campo domingo à noite contra o Mirassol. O Beira-Rio talvez recebe 25 ou 30 mil pessoas animadas pela amostragem do atacante da seleção brasileira sub-20.
Tem tamanho de nove, boa habilidade e uma insuspeitada agilidade para sua altura. No modo emergência, usando um meio-campo trancado que está longe do que Roger possa escalar de melhor para missões mais nobres, o Inter ganhou e encaminhou classificação na Libertadores.
Um salvo-conduto para o treinador reencontrar suas melhores ideias e definir a titularidade para os seus melhores jogadores. A posição no Brasileirão é aflitiva, dois pontos acima do Z-4 e distante, portanto, da sonhada reconquista do campeonato brasileiro.
É nas copas que o Inter terá maior chance de um título além do já conquistado no primeiro semestre. A classificação na Copa do Brasil virá quarta-feira em Florianópolis.
Daí em diante, contando talvez com uma janela que reforce a qualidade geral do elenco, Roger Machado poderá devolver à torcida a confiança que fez 40 mil colorados irem ao amistoso contra o México na abertura da temporada 25.
O desafio do treinador é este. Olhar para trás e para frente na missão de achar um time candidato ao que ainda disputa neste ano.