
A conclusão do inquérito sobre espionagem ilegal na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) evidencia algo que se tornou comum no Brasil, independentemente de governo: o uso de órgãos públicos para interesses privados. Neste caso, segundo a Polícia Federal (PF), com envolvimento direto do ex-presidente Jair Bolsonaro e de vários servidores da Abin, inclusive com tentativas de proteção da atual gestão, já indicada pelo presidente Lula.
Ao ser eleito em 2018, uma das principais promessas de Bolsonaro era acabar com indicações políticas e priorizar técnicos em postos de comando. O compromisso foi cumprido parcialmente. De fato, houve maior participação de servidores públicos e especialistas na Esplanada, mas isso não impediu a escolha a dedo de aliados que pudessem beneficiar o ex-presidente e seus familiares.
No caso da Abin, o comando foi do atual deputado federal Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro que, segundo a PF, liderou a organização montada para espionar membros do Congresso, do Judiciário e até mesmo jornalistas durante o governo. Ou seja, uma agência de ponta, que deveria cuidar de interesses da nação, dedicando seus recursos para monitorar adversários políticos.
Outras investigações mostram que a contaminação política atingiu em cheio outros órgãos, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a própria PF.
A conclusão no inquérito de que houve conluio com a gestão do atual diretor-geral da Abin, o delegado federal Luiz Fernando Corrêa, coloca mais um ingrediente absurdo: a tentativa de proteção entre servidores da agência.
O trabalho finalizado agora pela PF ainda será analisado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Está longe de ser a acusação mais grave entre as investigações que envolvem Bolsonaro. Reforça, contudo, que o uso da máquina pública para interesses pessoais sempre foi prática no Brasil, independentemente de discursos para a militância ou de coloração política.