
Poucas gestões do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) renderam tantas polêmicas quanto a do gaúcho Marcio Pochmann. Entre o final do ano passado e o início deste, ensaiou a criação de uma fundação para aumentar a receita, mas diretores se rebelaram e chegaram a se exonerar dos cargos. Nesta semana, outra controvérsia surgiu com a proposta de um novo estatuto. Em Porto Alegre para participar do 26º Congresso Brasileiro de Economia (CBE), Pochmann falou sobre esses pontos e avisou que autonomia, independência e critérios com padrão internacional são "imexíveis".
Quais são as mudanças propostas no estatuto do IBGE?
O IBGE era uma autarquia até 1967. Depois, se transforma em fundação pública, que precisa ter estatuto e regimento. De 1973 para cá, ocorreram várias mudanças no estatuto da instituição. Porém, nenhuma teve participação dos colegas. Apresentamos e entregamos uma minuta, abrimos a possibilidade do diálogo e apresentação de sugestões. As sugestões apresentadas passarão por uma comissão de sistematização que vai analisar e ver como podem ser incorporadas à minuta inicial. É apenas isso. E vamos fazer uma devolutiva. É um processo interno, democrático, transparente. Uma vez acertado internamente, tem de passar por repartições internas. Depois, vai para Ministério do Planejamento, Ministério de Gestão e Inovação, Casa Civil, até o decreto presidencial. Então, é uma longa jornada.
Por que houve crítica dos servidores?
É natural, vejo sempre com bons olhos. Quando cheguei no IBGE, não havia discussão, era uma instituição paralisada. Entendemos, como gestão democrática, transparente e participativa, que ter visões diferentes é muito bem-vindo. É óbvio que a imprensa dá espaço para aqueles que nos criticam, mas não avalia aqueles que nos apoiam. Fica parecendo uma crise permanente no IBGE. Aumentamos a produção, estamos fazendo um processo de integração do maior concurso da história do IBGE, que completa 90 anos. Fizemos o maior reajuste salarial. Havia quase 10 anos que não tinha concurso, seis anos sem reajuste salarial. Conseguimos também elevar os recursos para pesquisa. Estamos nos preparando para fazer o Censo Agropecuário. A situação está superbem tensionada do ponto de vista de ter plano de trabalho.
Como avalia a crítica de que o estatuto concentraria poder na presidência em detrimento das áreas técnicas?
Não há nada disso. Nunca vi uma instituição no Brasil que trata do estatuto e é debatido nos jornais. No IBGE, há interesse porque é o Marcio que está lá. O que há é uma proposta de discussão de como vamos reorganizar a casa a partir de uma lei que define as regras. Não tem definição ainda. É uma proposta para abrir a discussão de como vai ser. Tem colegas que defendem a gestão do Bolsonaro. Compreendo, e é natural que façam críticas, não tem problema. O que é importante é ressalvar que há democracia e transparência. Nunca tivemos tanta discussão sobre estatuto como agora. Inclusive extravasando o espaço do IBGE. Se olhar o sistema estatístico brasileiro, criado em 1871, até 2023 só houve mudanças em épocas de autoritarismo. A transformação de geografia e estatística do IBGE é de 1938, no Estado Novo. A virada de autarquia para fundação é da ditadura. Nunca se viram discussões internas porque havia imposição. Na ditadura, pessoas do IBGE foram presas, demitidas.
Por que discutir o estatuto agora?
Porque estamos vivendo a era digital. Não podemos continuar operando da mesma forma. Do ponto de vista tecnológico, o IBGE se atualizava quando havia Censo. Então, a cada 10 anos, recebia orçamento maior, comprava mais computadores. Não dá mais. Todos os países estão reformulando seus institutos nacionais de estatística. Hoje, existem instituições que competem com o IBGE: as big techs, que têm informações sobre nós. O IBGE fez o Censo em 2022 e ainda estamos divulgando as informações. Estamos em 2025, o dado é de 2022. Hoje, existem dados diários. As instituições fazem esforço gigantesco para se atualizar porque, do contrário, ficarão para trás. Farão pesquisa com dados que são para a história, não para quem toma decisão. Os ministros, os presidentes, os governadores querem informações para tomar decisão. Então, a instituição tem de se modernizar.
A mudança no estatuto conversa com a pretensão de implementar o Singed (Sistema Nacional Soberano de Geociência, Estatísticas e Dados), uma de suas principais apostas no IBGE?
Sim, o estatuto faz menção à necessidade de o IBGE dar conta disso. A lei de 1973 define que o IBGE é o coordenador do sistema estatístico e geográfico nacional, mas hoje não coordena isso. Há uma fragmentação brutal. Para poder fazer a coordenação, precisa ter outra estrutura de comando. É uma discussão. A casa definiu que quer fazer o Singed. O IBGE é coordenador, mas não coordena, e para fazer isso, tem de ter estrutura capaz de permitir.
Outra polêmica foi a Fundação IBGE+, que está suspensa. Há pretensão de retomada?
Houve suspensão porque houve controvérsia do ponto de vista do modelo jurídico. Procuramos e estamos aguardando uma posição do Tribunal de Contas (TCU) e da Advocacia Geral da União, a AGU.
Ainda há pretensão de implementar?
Estamos aguardando uma posição do ponto de vista jurídico. Está dito na nota que escrevemos com a ministra (Simone Tebet) que estava suspenso para encontrar melhor modelo jurídico. A instituição tem problemas de financiamento e faz trabalhos pelos quais não recebe. Tem um índice, o Sinapi, que é fundamental na construção civil, para a Caixa Econômica. Fazemos o levantamento, tem custo enorme, e a Caixa não paga. E não paga porque é uma fundação pública. Se for uma fundação pública de direito privado, pode passar.
Qual era o seu objetivo com a proposta?
O IBGE fez uma transformação importante, na nossa gestão, de se transformar em instituição de ciência e tecnologia. Assim, o IBGE não fará parte do teto de gastos, por exemplo, no caso de recebimento de recursos próprios. Estamos hoje submetidos, como todas as instituições, às regras do teto de gastos. O ICT, Instituto de Ciência e Tecnologia, tem legislação que estabelece a existência de um núcleo de inovação tecnológica. Então, a fundação pública de direito privado seria a base do núcleo de inovação, dando condições de fomento ao trabalho que o IBGE já realiza. Todas as instituições públicas têm fundação. O IBGE não tem. Fiocruz tem fundação, por exemplo. Então, só vamos acertar o modelo, depende da resposta do Tribunal de Contas e da AGU. Assim que derem a resposta, vamos avaliar o que é possível fazer ou não.
O IBGE tem problema orçamentário?
A pior situação do orçamento do IBGE foi em 2022. De 2023 em diante, temos conseguido aumentar. Mas não é suficiente. Em 1986, o orçamento do IBGE equivalia a 0,32% do geral da União. Hoje, equivale a 0,05%. Então, tem crescido proporcionalmente mais do que os demais recursos, mas estamos longe do que precisamos.
O Censo Agro, que deve ir a campo em 2026, está sob risco?
Não, a PLOA (proposta de orçamento) tem recurso previsto para a realização de parte dessa importante operação estatística que o Brasil precisa fazer.
Como houve polêmicas de gestão, grupos questionam a credibilidade das pesquisas do IBGE. É possível garantir que os dados são imunes a controvérsias?
A discordância vem de um certo tempo. Você deve ter visto os questionamentos que ocorreram em relação ao Censo de 2022, feito pela gestão passada. Setecentos prefeitos entraram na Justiça contra o IBGE. Hoje, não temos questionamento jurídico em relação à ação do IBGE.
A relação com os servidores não coloca a imagem em risco?
Não, demonstra que é uma instituição sólida, que tem maturidade e capacidade de ouvir os que pensam diferente. Isso nunca aconteceu no IBGE. Ocorre que a imprensa só mostra o lado de quem critica, mas não tem problema nenhum.
Qual valor do IBGE é inegociável?
O objetivo do IBGE é retratar a realidade com autonomia, independência e com critérios que são padrão internacional. Isso é imexível. Quando fui indicado, disseram que eu ia manipular. Não vi ninguém comprovar absolutamente nada. O IBGE tem 946 cargos de direção. É uma instituição com 11 mil servidores. E só temos seis pessoas externas ao IBGE. Então, é uma instituição que é praticamente conduzida pelos próprios servidores.
Os dados do Censo de 2022, alguns divulgados neste ano, mostram um novo perfil de futuro de país?
O Censo de 2022 consolida uma trajetória, de certa maneira, identificada em anos anteriores. Ou seja, trajetória de desaceleração no ritmo de expansão da população, que levou às projeções que o próprio IBGE fez de estancamento do crescimento e decréscimo. Consolida também a mudança na composição étnico-racial da população. Consolida, na verdade, informações muito precisas do ponto de vista de para onde está o dinamismo da população, não mais concentrado nas regiões litorâneas. Portanto, essas informações trajetória nos estimulam a trabalhar com outro tipo de perspectiva de pesquisa, que possa subsidiar políticas públicas preditivas. Entra toda uma novidade que o IBGE está fazendo de modernização tecnológica. Havia um atraso na instituição, infelizmente, de uso de inteligência artificial, de ciência de dados. Vamos ter um IBGE muito mais pujante para fornecer serviços para a sociedade brasileira, que é o nosso compromisso.
Há uma discussão se o Brasil vive uma situação de pleno emprego. Qual a qualidade do emprego disponível?
O Brasil da recessão e da pandemia é um Brasil com uma taxa de desemprego de dois dígitos. Estamos, na verdade, gradualmente reduzindo para perto de 5% da força de trabalho. A literatura diz que, para se chamar pleno emprego, é em torno de 3%. Então, não entendo que estamos em pleno emprego. Inegavelmente, há uma redução do desemprego. Agora, quando se olha o tipo de ocupação gerada, há um movimento vinculado a empregos com direitos, mas também sem direitos. Então, o primeiro passo é que essa avalanche de ocupações tem a ver com o fato de o Brasil estar ocupando capacidade ociosa. E a qualidade do emprego tem a ver justamente com esse movimento de ocupação da capacidade ociosa. Como estamos vendo já o crescimento do investimento, e o investimento é aquele que gera o melhor emprego, penso que a qualidade do emprego deve melhorar a partir da concretização dos investimentos que estão em curso.
*Colaborou João Pedro Cecchini






