
A situação cambial da Argentina é tão problemática quanto complexa. Além de o peso estar passando por novo derretimento, que fez o Banco Central da República Argentina (BCRA) intervir no mercado de câmbio e o presidente Javier Milei buscar socorro de Donald Trump, o país ainda precisa acompanhar sete tipos diferentes de cotação para o dólar.
Abaixo, a coluna explica cada uma das modalidades e por que há tantas variações. É bom lembrar que existiam ainda mais: antes de mudanças propostas por Milei, eram cerca de 15 tipos de câmbio distintos.
Chegaram a circular os dólares Coldplay (que servia para produtores contratarem shows e espetáculos) e Netflix (para assinaturas de plataformas de streaming), só para citar alguns dos mais curiosos. Sobreviveram sete variações, detalha à coluna o economista e professor da Universidade de Buenos Aires (UBA) Hernán Neyra.
Os tipos de cotação
- Dólar de varejo, conhecido como "minorista", ou BNA: taxa de câmbio oficial. Preço pelo qual o Banco de la Nación (maior banco público argentino) vende dólares. É no dólar de varejo que funciona o sistema de bandas cambiais flutuantes.
- Dólar de atacado, ou "mayorista": referência do mercado. Serve para grandes operações entre bancos e empresas. É nessa cotação que o Banco Central da República Argentina (BCRA) consegue intervir, firmando contratos com grandes companhias para dar sinais ao câmbio futuro.
- Dólar turismo ou "tarjeta": cotação em casas de câmbio regulamentadas. Serve de referência para argentinos que vão viajar ao Exterior, mas também para estrangeiros na Argentina, além de conversões de cartão de crédito e débito para turistas.
- Dólar blue, conhecido como paralelo: dólar turismo extraoficial, com circuito informal, mas comum em todo o país.
- Dólar MEP: taxa de câmbio do mercado de títulos. Serve de referência para quem compra títulos em pesos e quer vender em dólares.
- Dólar CCL (contado con liquidación): semelhante ao dólar MEP, mas destinado a envios ao Exterior. É o instrumento legal de transferência de moeda americana para fora do país.
- Dólar cripto: cotação que corresponde a uma média da referência para operações de compra e venda de criptomoedas em dólares.
Dólar Coldplay e Netflix?
Com o fim do "cepo", medida que limitava a circulação de dólares na Argentina, anunciado em abril deste ano, deixaram de existir alguns tipos de câmbio para a moeda americana no país, como Coldplay e Netflix, explicados no início desta nota.
O "cepo" havia sido adotado em 2011, como forma de frear as transações e evitar, assim, desvalorização excessiva do peso argentino. Os diferentes e curiosos tipos de cotação também também surgiram a partir da necessidade de se restringir o acesso a dólares no país.
As cotações Coldplay e Netflix, por exemplo, eram mais altas do que a oficial na Argentina. O objetivo era limitar o consumo e, por consequência, evitar a disparada do dólar.
— As restrições sempre se deveram à falta de reservas em dólares. Nas últimas semanas, os motivos são os mesmos. O problema da Argentina sempre é a escassez de dólares e a consequente crise no balanço de pagamentos. Ou seja, não há dólares suficientes para fazer pagamentos previsíveis, como importações e dívida externa — diz Neyra.
Entenda a situação atual
A derrota do partido de Javier Milei nas eleições de Buenos Aires em 7 de setembro inspirou temores ao mercado financeiro por indicar caminho complexo para o programa econômico do presidente argentino, levando à desvalorização do peso.
A cotação do dólar teve forte alta e agora opera perto da banda de flutuação cambial firmada com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Para evitar o fracasso do acordo, o Banco Central da República Argentina (BCRA) fez intervenções no mercado de câmbio ao menos em três sessões na última semana.
Como consequência, há risco de que o país não tenha recursos suficientes em dólares para pagar dívidas futuras. A tensão obrigou o ministro da Economia, Luis "Toto" Caputo, negar risco de calote.
Agora, Milei tenta evitar que a crise cambial se agrave. Além de zerar a cobrança de impostos sobre exportações agrícolas até 31 de outubro — com a expectativa de que a medida facilite a entrada de dólares ao país, o presidente argentino deve se encontrar com Donald Trump nesta terça-feira (23) para discutir possível socorro americano.
*Colaborou João Pedro Cecchini






