
Professor titular do Programa de Engenharia Nuclear da Coppe/UFRJ, Aquilino Senra explica – com direito a comparações para facilitar o entendimento – os riscos nucleares que estão em jogo no ataque de Israel ao Irã, com possível envolvimento dos Estados Unidos. Detalha que há ameaças em bombardeios a instalações de enriquecimento de urânio – como a de Fordow, alvo de especulação nos últimos dias – mas adverte que um ataque a usina nuclear seria o pior cenário – caso o reator seja atingido.
Que riscos existem nos ataques a instalações nucleares do Irã?
Há certa confusão entre ataques a usinas nucleares e a instalações de enriquecimento de urânio. Uma usina produz energia com fissões (atômicas), que gera material radioativo. Nas de enriquecimento de urânio, o material que circula é um gás, o hexafluoreto de urânio. Existem vários isótopos (átomos de um mesmo elemento com igual número de prótons, mas diferentes quantidades de nêutrons, o que resulta em mudança de massa), o energético é o urânio 235. Mas sua concentração natural é só de 0,7%. Para gerar energia, é preciso 5%. Para fazer bomba, mais de 90% de urânio 235. É como se faz com a gasolina: eleva-se a octanagem para ficar mais potente.
Como é esse processo?
O hexafluoreto é sólido à temperatura ambiente, mas se transforma em gás quando aquecido. Para separar os isótopos 235 dos demais, como se trata do mesmo elemento, não há via química. Por isso, precisa passar por milhares de centrífugas. São como máquinas de lavar, só que giram em velocidade supersônica. A parte mais pesada vai para a superfície, as mais leves ficam no centro, como as roupas. Aí são retiradas as mais leves e levadas a outra centrífuga, e assim sucessivamente até obter urânio com 5% de 235, se for para gerar energia, ou 90% se a meta for fazer uma bomba.
A quanto o Irã estava enriquecendo?
O fato é que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que integra a ONU, cita nos seus relatórios que encontrou urânio enriquecido a até 60%. Com esse nível, não se faz bomba atômica. Não é opinião, é físico, não é possível porque só enriqueceu até 60%. O diretor-geral da agência afirmou nesta semana que o Irã não tem bomba nuclear. Mas relatou que o Irã escala rapidamente a produção de urânio enriquecido. Mas se chegou a 60%, leva tempo até alcançar 90%.
O Irã pode ter urânio enriquecido a 90% e a agência não saber?
Hoje, essas informações existem porque o Irã é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares. Por isso, suas instalações são inspecionadas. Não é uma mera visita. Há câmeras e registros, que são como os de abastecimento de gás: tem um medidor que checa entrada e saída. O volume do material tem de ser o mesmo. Se sai menos, indicaria desvio que seria investigado. Então, possível sempre é, mas não é provado. Israel não assinou o tratado de não proliferação, assim como Índia e Paquistão. Por isso, não é obrigado a fazer inspeções. E se estima que tenha 90 bombas nucleares. É por isso que não consigo entender que tenha levado a guerra.
Que tipo de ataque pode gerar vazamento radioativo?
Existe uma lei de guerra que proíbe ataques a instalações nucleares. Se explodisse, geraria nuvem de material radioativo como a de Chernobyl, alcançando até 2 mil quilômetros. Não danifica só a infraestrutura do país atacado, atinge outros que não tem nada a ver com a guerra.
Já houve ataques a usinas nucleares no Irã, não?
Sim, mas os alvos foram as partes não nucleares da usina. O reator atômico é uma parte relativamente pequena dos componentes. Essa é a unidade que não pode ser atingida por míssil porque pode, sim, liberar radioatividade. É como um caminhão, que tem motor, cabine, carroceria, pneu. Tudo é caminhão, mas o que gera energia é o motor. Em ataques a usinas, os alvos costumam ser carroceria, pneus. Em um dos ataques a usina nuclear do Irã, os alvos foram prédios administrativos. O objetivo era que a planta parasse de funcionar. E como foi informado pela AIEA, não houve dano na parte nuclear. Um ataque a usina nuclear seria o pior cenário.
Qual o dano de ataques a instalações de enriquecimento de urânio?
Nessas plantas, só circula o gás UH6, o hexafluoreto de urânio. Do ponto de vista de radioatividade, os riscos são baixos comparados a usinas nuclear. Mas é um gás tóxico, que tem reações químicas e gera ácido fluorídrico (corrosivo que, em alta concentração, causa queimaduras graves). Em caso de vazamento, tem riscos ambientais, de contaminação de solo e água.
Há intensa especulação sobre eventual ataque a outra instalação, a de Fordow. O que se sabe sobre essa unidade?
É uma planta de enriquecimento de urânio, como Natanz. Só que Natanz fica na superfície e Fordow é subterrânea. O habitual é que os países tenham só uma unidade de enriquecimento. É o caso do Brasil. Temos usina em Angra dos Reis e enriquecimento em Resende, também no Rio. É a prática mundial. O que não é habitual é ter instalação a 90 metros de profundidade, ou mais. Se o Irã pretende enriquecer urânio para ter material para bomba, não quer que essa instalação seja vulnerável. Isso reforça a ideia de que queriam fazer bomba, em local não facilmente atacado por caças. Até agora se trata de especulação, não há confirmação.