
O interrogatório, no devido processo legal possível apenas em democracias, é o momento do réu. É hora de exercer seu direito de defesa, quando pode silenciar ou mesmo mentir, sem risco de acusação de perjúrio. É por isso que algumas respostas do ex-presidente Jair Bolsonaro surpreenderam, por não negar o ensaio para um golpe.
Ele admitiu ter discutido, com os comandantes das Forças Armadas, "alternativas" ao cenário de derrota para Luiz Inácio Lula da Silva em 2022. E reconheceu, ainda, ter discutido a possibilidade de adotar instrumentos como o Estado de Sítio ou a chamada Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Afinal, era impossível negar.
Como a coluna já observou, para Bolsonaro significava exatamente isso, ou seja, "buscar alternativas". Não era "golpe". Só que a Constituição brasileira não concorda. A única alternativa, diante do resultado de uma eleição, por mais que seja desagradável, é acatá-lo.
E as "alternativas" só não avançaram, disse com aparente naturalidade o ex-presidente, porque não houve "clima", "oportunidade" e "base minimamente sólida para qualquer coisa". Por definição, é o crime de tentativa de golpe de Estado.
Como a essa altura já está bastante consolidado, é o tipo de caso em que a responsabilização só pode ocorrer em caso de tentativa, porque caso seja bem sucedido, já não haverá acusadores, nem uma Corte Suprema minimamente independente, muito menos o devido processo legal.
E ainda houve outra surpresa no interrogatório de Bolsonaro. Depois de falar em golpe em público e em privado, o ex-presidente afirmou que "golpe é uma coisa abominável". Deve ter decepcionado milhares de apoiadores que desfilaram nas ruas e nas redes sociais propondo intervenção militar e até interplanetária.