
Não faltaram as habituais gentilezas entre os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Emmanuel Macron, mas não avançou em um milímetro a tentativa de abalar a oposição sistemática que o francês faz ao acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia (UE).
Mesmo depois de ouvir o pedido de Lula para que "abra seu coração" sobre o assunto, Macron reiterou as muralhas erguidas sobre os pilares da produção agrícola e do meio ambiente. Depois de ouvir o discurso de Lula, o presidente francês, como se esperava, reiterou sua posição:
— Na Europa, exigimos que nossos produtores agrícolas não usem determinados produtos para proteger o ambiente, não podemos permitir uma competição em condições desiguais.
Nem o discurso a favor do multilateralismo e do livre-comércio de Lula ajudou. O presidente brasileiro lançou a carta da resistência ao protecionismo de Trump com elegância, mas não obteve qualquer mudança na posição francesa. Na véspera da reunião, produtores e parlamentares franceses haviam cobrado resistência de Macron.
— Ainda há tempo e é agora que temos que dizer não. A visita do presidente Lula não deve mudar o rumo — disse o presidente da associação francesa de produtores de carne bovina e ovina, Jean-François Guihard.
O presidente brasileiro contra-argumentou falando nos produtos sensíveis ao acordo do outro lado:
— O Brasil produz vinho, mas vai continuar comprando vinho francês, produz queijo, mas vai continuar comprando queijo francês, produz bons champanhas, mas vai continuar a comprar champanhas frances.
No último quesito, esqueceu que o Brasil já não produz "champanhas" porque o nome é protegido pela denominação de origem da região da Champagne, na França, que tem exclusividade de uso do nome. Macron ouviu com expressão ao mesmo tempo de certo encantamento e certa ironia. Lula não se abalou e insistiu, depois do "carão":
— Não vou deixar a presidência do Mercosul sem concluir o acordo com a União Europeia, e com a assinatura da França.
Com o tema do acordo de livre-comércio vencido, Macron deu uma nova alfinetada no colega brasileiro:
— O presidente acaba de fazer uma defesa do multilateralismo, e isso é uma defesa da Carta das Nações Unidas. A violação da integridade de um Estado foi causada pela Rússia, e não pela Ucrânia. Não podemos nos enganar, um país violou a Carta das Nações Unidas.
Lula é criticado, dentro e fora do Brasil, por tentar igualar a responsabilidade pela guerra entre os dois países.
A questão ambiental
Enquanto no Brasil o Senado abria a porteira para a boiada no dia 22 de maio, UE apertava suas regras ambientais. Publicou uma nova lista que classifica países, para efeitos de comércio, conforme o risco que apresentam para o desmatamento. É um desdobramento do Regulamento sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês), que proíbe a importação de madeira, soja, carne bovina, cacau, café, óleo de palma, borracha e derivados com origem em países que tenham desmatado, de forma ilegal ou mesmo legal. Caso não sofra novo adiamento, começa a valer a partir de 30 de dezembro de 2025.
Na nova classificação, o Brasil recebe o selo de "risco padrão", o mesmo de países como Indonésia, Malásia, México e Argentina. Há ainda duas outras categorias: "risco baixo" e "risco alto" – onde se encaixa, por exemplo, a Rússia (veja lista aqui).
Os importadores europeus que comprarem de países de "risco baixo" devem ter menos custos operacionais, por que as obrigações de compra serão simplificadas. Países de "risco padrão" ou "risco alto" estarão sujeitos a uma camada adicional de controle, com mais custos, portanto menor atratividade.
*Colaborou João Pedro Cecchini