
Com passagens por instituições como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e agências da Organização das Nações Unidas (ONU), o gaúcho Eric Daza atua em temas como transformação digital do setor energético, armazenamento de energia e em políticas públicas e operações para promover o hidrogênio verde. É doutor em Energia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), além de mestre em Economia pela Unisinos e em Gestão de Negócios de Energia pelo Clube Espanhol de Energia. Com esse conhecimento, ajuda a entender o acordo anunciado há poucos dias entre China e Estados Unidos, que incluiu a aceleração do envio de terras raras do primeiro para o segundo para obter acordo sobre o tarifaço de Trump.
Por que há tanta disputa em torno das terras raras, são o "novo petróleo"?
Energia é geopolítica. Muitas guerras eram em torno do petróleo, e continuam acontecendo. Quando a Rússia entrou em guerra, por exemplo, a Europa, que depende do gás russo, precisou mudar toda a sua matriz energética. Quando Trump tirou apoio à energia renovável, mudou toda a dinâmica da economia. Um país sem acesso à energia barata e acessível não se desenvolve. O que estamos tentando, de forma muito lenta, é mudar da fonte fóssil para renovável. Vamos precisar de baterias, turbinas eólicas. E aí entra uma categoria maior, os chamados minerais críticos, elementos essenciais para transição energética. E uma subcategoria são as terras raras, que são 17 elementos químicos de difícil obtenção, que exigem muita tecnologia para extrair e processar, o que é caro.
Onde há mais exploração?
Hoje, mais da metade do processamento mundial é feito na China. A origem dos materiais varia, mas o processamento é majoritariamente chinês. Esses materiais são importantes para transição energética, mas também para equipamentos tecnológicos específicos, inclusive de guerra. Em terras raras, os EUA se viram muito dependentes da China, país que, teoricamente, colocam na categoria de potencial inimigo. A dependência cria um cenário de tensão. O EUA tentam garantir algum nível de provisão de materiais que são de difícil obtenção.
O que são minerais críticos e o que são terras raras?
Minerais críticos são importantes para transição energética e que têm alta concentração em alguns lugares. O lítio é um exemplo clássico. Cerca de 50% das reservas mundiais de lítio estão concentradas em Argentina, Chile e Bolívia. Quando falamos em produção de lítio, metade vem da Austrália, mesmo que não tenha grandes reservas. Outro essencial, o cobalto, vem principalmente do Congo. Segundo a Agência Internacional de Energia, a demanda por lítio deve aumentar 40 vezes até 2040. É um crescimento gigante e para concentração muito forte em países com estabilidade econômica duvidosa, como Bolívia, Chile, Argentina. As terras raras têm obtenção ainda mais difícil, exigem mais tecnologia. A China, como se planeja para décadas, está preparada para comprar e processar esses materiais, já prevendo o uso estratégico e geopolítico no futuro.
Em relação às terras raras, as estimativas variam: entre 15% e 20% da reserva mundial estaria no Brasil.
O Brasil também tem reservas, são menos importantes?
Estamos um pouco atrasados em mapeamento geológico. Ainda não conhecemos com exatidão o potencial. O Brasil tem mais de 90% da reserva mundial de nióbio, ainda pouco usado. Em relação às terras raras, as estimativas variam: entre 15% e 20% da reserva mundial estaria no Brasil. Só que menos de 1% da produção vem do país. Em lítio, temos entre 1% e 2% das reservas mundiais. É pouco, mas se houver produção e investimento, pode se tornar significativo. Terras raras são o elemento em que estamos melhor posicionados em termos de reserva, só que exige conhecimento técnico e tecnologia de ponta que, neste momento, não temos.
Falta tecnologia para minerar ou processar?
Ambos. Tanto é que mais da metade do processamento ocorre na China. Por isso as terras raras têm esse nome, são difíceis de obter e transformar, mas são essenciais para diversos elementos tecnológicos, desde material da transição energética até ímãs superpotentes usados em aviação de guerra. Quando começou a guerra tarifária entre China e EUA, a China colocou as terras raras na mesa e disse que iria parar de exportar. A indústria de transição energética não interessa muito para o Trump, mas a bélica, sim.
Países mais avançados ou com maior poder econômico podem monopolizar o acesso à matéria-prima e a transição energética não ser justa.
Como esses interesses determinam o acesso aos elementos que vão acelerar a transição energética?
Um dos riscos é de que países só exportem matéria-prima, o velho ciclo dos países subdesenvolvidos que exportam commodities e importam industrializados. O Congo exporta quase todo o cobalto do mundo, mas se estima que 20% da exploração é feita com trabalho em condições inadequadas. Brasil ou Bolívia não querem exportar lítio e importar carros elétricos prontos. Países mais avançados ou com maior poder econômico podem monopolizar o acesso à matéria-prima e a transição energética não ser justa. Outro risco é o excesso de concentração. Na década de 1970, vimos a formação da Opep, que ainda hoje concentra produção e consegue ajustar o valor do barril. O país melhor posicionado é a China, que conseguiu estabelecer provedores e concentrou o processamento. E em um tema tão sensível como a transição energética, há muita desinformação no ar, qualquer problema no caminho pode se tornar uma justificativa para dar alguns passos.
Que tipo de desinformação existe?
A primeira é sobre a mudança climática, a ideia de que não existe. Não é um tema de opinião, os dados estão aí. Em transição energética, há muita desinformação sobre baterias: dizem que "viciam", que o carro elétrico tem vida útil curta. Não dá para comparar a bateria de um celular de 10 anos atrás, que durava 12 horas, com a de um carro que custa R$ 200 mil. São tecnologias completamente diferentes. Estamos falando de baterias que vão durar 15, 20 anos.
Em 2024, o planeta já ficou com temperatura média 1,5 °C acima do que era antes da revolução industrial. O que significa em termos de urgência?
Muda a nossa vida de tantas formas que é difícil escolher uma só. Teremos áreas onde não vai ser possível ter certo tipo de cultivo que existia antes. Outras podem não permitir cultivo nenhum. E o Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo. Também vai ter menos gente com acesso à água. Em um país como o nosso, em que 70% da energia vem de hidrelétricas, afeta muito. Por ser tão complexo, entramos em negação e não aceitamos o que está acontecendo. Muda a vida econômica dos países. O desafio é que o impacto é global, mas a ação é individual, de cada país. E aí vem o dilema: por que o Brasil vai avançar na discussão se os EUA não avançam? Por que o Japão vai fazer sua parte, se a China não faz? Estamos trabalhando em um bem comum, mas a ação depende de cada indivíduo, de cada país.
O Brasil, bem ou mal, tem um caminho bem desenhado. Prometemos emissões líquidas zero até 2050, com reduções intensas a partir de 2030.
A China, vista como país poluidor, prepara a transição, enquanto os EUA, via Donald Trump, trava. Não há um contraste?
De fato, a China se preparou. Hoje, a maioria dos painéis solares e componentes da energia eólica são produzidos lá. Há um planejamento energético claro e vem sendo cumprindo. Sabe que continuará aumentando emissões até 2035, quando atingirá o pico, e começará a reduzir. Talvez não esteja tão planejada quanto a Europa, mas tem forte direcionamento. A Europa, dependendo do país, prometeu para 2040 ou 2045. A China prometeu para depois, mas tem avançado. Só que é um gigante de mais de 1 bilhão de pessoas, e segunda maior economia do mundo. O Brasil, bem ou mal, tem um caminho bem desenhado e vem avançando. Prometemos emissões líquidas zero até 2050, com reduções intensas a partir de 2030. Na maioria dos países, grande parte das emissões vem do setor energético. No Brasil, é o terceiro maior emissor. Os dois primeiros são uso da terra, com desmatamento, e produção agrícola.
O que isso significa?
Que nosso desafio é diferente dos demais. Se reduzirmos o desmatamento e soubermos fazer o manejo agrícola mais adequado, podemos avançar mais facilmente do que os outros países. Nossa matriz energética já é mais limpa. Entre os países do G20, as maiores economias do mundo, somos o mais renovável. O Brasil já é uma potência renovável.
*Colaborou João Pedro Cecchini