
As irmãs gaúchas Dione e Jaqueline Vasconcellos criaram uma das maiores empresas brasileiras de produtos para cabelo, a Lola, famosa por vender "Morte Súbita" e "Papo Reto", entre outros nomes divertidos. Nesta entrevista, relatam como surgiu do negócio, nascido na cozinha da casa de Dione, e traçam o futuro da marca, que vai se unir à Skala para formar grupo com faturamento de cerca de R$ 2 bilhões sob controle do fundo bilionário Advent.
O que podem contar sobre a fusão?
Dione: Chegou um momento em que a Lola se tornou maior do que nós. Somos uma empresa familiar: eu, a Jaqueline e o Milton (Taguchi, marido de Jaqueline), três sócios, e o Pedro (Taguchi), filho da Jaque, nosso diretor. Sou formada em História, a Jaque é jornalista, e o Milton, arquiteto.
Queríamos que essa empresa que amamos e construímos ganhasse o mundo e se tornasse gigante. No Brasil, quando começamos, as que faziam sucesso eram as gringas. Desde então, empresas brasileiras na área capilar estão se tornando importantes. Temos muito orgulho de dar esse passo, fazer esse negócio e tornar a Lola mundialmente conhecida. Hoje, já estamos em cerca de 40 países.
A decisão foi trazer sócios para fortalecer uma empresa que já é incrível. Tivemos o apoio de uma boutique de M&A (sigla em inglês para fusões e aquisições), e nos disseram que foi o maior negócio da indústria capilar brasileira. É uma honra, mas também demonstra a trajetória. Quando lançamos a Lola, em 2021, no Rio só tinha uma empresa de mulher. A indústria de beleza brasileira era dominada por homens. Ainda hoje é, mas já tem mulheres incríveis. Tivemos resiliência, não éramos do setor, mas chegamos hoje nesse negócio incrível e estamos muito orgulhosas.
Jaqueline: A fusão com a Skala vai nos transformar no grupo com a maior participação da indústria brasileira, só vamos ficar atrás das multinacionais.

Como uma historiadora e uma jornalista foram parar na indústria de cosméticos?
Dione: Eu tinha uma empresa de acessórios de moda, com 50 lojas em Portugal, e perdi tudo. Não era muito organizada na parte financeira. Chamei minha irmã e meu cunhado para serem sócios, mas já era tarde. O cosmético surge por não ter plano B. Cheguei ao Rio com uma filha de 10 anos, formada em História em Portugal. E agora? Comecei muito por acaso, na cozinha.
Na cozinha?
Dione: Minha filha e meu enteado faziam sabonetes e vendiam na escola. Tivemos a oportunidade de montar um quiosque no BarraShopping. Não tinha dinheiro, entrei com a força de trabalho. No segundo Natal, o quiosque fez um faturamento absurdo.
Fazia tudo em casa: creme hidratante, aromatizador. Peguei o dinheiro, descobri uma indústria falida à venda e fui lá comprar. A dona disse: "Mas você não tem dinheiro". Eu disse: "Tenho R$ 70 mil e assumo as dívidas." Ela tinha declarado R$ 250 mil em dívidas no contrato. Depois, vimos que passava de R$ 1 milhão, mas essa é outra história.
Chamei minha irmã e meu cunhado: "Querem metade de uma empresa falida?". Disseram: "Queremos." A gente vem de família empreendedora. Foi meu maior acerto: diferente do que fiz em Portugal, chamei a Jaque e o Milton logo no início. A Jaque, ao contrário de mim, gosta de números, é superorganizada. O Milton é industrial. Começamos com a fábrica no final de 2008. Foi um horror pagar as dívidas, mas conseguimos.
Jaqueline: Entramos de cabeça. Ainda se usava nota fiscal de papel. Só me lembro de estarmos muito focadas, ajeitando, descobrindo novas coisas. Naquele momento, éramos só terceiristas, sem marca própria.
Dione: A gente fabricava para outras marcas. Chegava um cliente e pedia: "Quero selagem". Eu dizia: "Sem problema, vem amanhã que eu trago o orçamento". Corria pro Google para pesquisar o que era selagem e como fazia. Não entendia de cabelo. Com o tempo, comecei a entender muito. Não sou química porque não tenho diploma, mas sei manipular ingredientes, ativos. Fomos construindo e aprendendo.
Jaqueline: Mesmo em 2008, a fábrica já tinha Anvisa, com químicos que ajudavam. Nunca foi uma fábrica de fundo de quintal.
Dione: Aí, terceirizando para bastante gente, em 2011, olhei o mercado e pensei: "É tudo muito chato, prateado, dourado". E sempre gostei de escrever, de ler. Nasceu a Lola.
Os nomes sou eu que dou, os textos também sou eu que escrevo. Por exemplo: estava em um pub na Bélgica, com minha filha. Vi uma cerveja chamada Mort Subite. Pensei: "Se uma cerveja pode se chamar Morte Súbita, por que um creme não pode?" Na época, todo mundo dizia: "Tá louca, vai falir." Depois, estava tomando uma sopa no trem e vi o pote. Levei a uma gráfica no interior de São Paulo e passaram a produzir para nós.
Tem uns frascos novos agora porque comprei uma garrafa de azeite e pensei: "Dá uma embalagem". Tomando um mojito, olhei e pensei: "Dá uma embalagem para creme". Essas coisas da Lola são muito particulares e viraram diferencial.

E de onde veio o nome Lola?
Dione: Queria ter uma história incrível pra contar, mas não tenho. Achava um nome feminino, bonito, curto, mais antigo e forte.
Internacional?
Dione: Nem pensei nisso, nunca imaginei que a Lola faria tanto sucesso. Naquela altura, tinha muitos produtos incríveis para loiras, mas nada bacana, com ingredientes bacanas e imagem bacana, para meninas cacheadas. Nossa primeira linha de produtos, que foi o Curly Wurly. Já seguia aquela técnica gringa de "low" e "no poo" (produtos com pouco ou menos sulfatos). Fomos os primeiros no Brasil com essa técnica.
Como foi colocar a fábrica quebrada nos eixos?
Dione: Só vou contar uma curiosidade antes. O primeiro dia da Jaque na empresa foi o de estreia da nota eletrônica que a contadora tinha instalado. A Jaque olhou para aquilo e perguntou: "Dione, cadê os impostos?" Eu disse: "Não sei, tinha que ter?". Ela: "Pelo amor de Deus, quem é essa contadora?" (risos). A sorte é que foi no primeiro dia.
Jaqueline: Na época, a nota ainda podia ser feita a à mão. Mas olhei para os talões e pensei: "Gente, cadê os impostos?". E começamos o processo de descobrir dívidas.
Busquei alguém para fazer auditoria fiscal. Na época, a empresa não tinha crédito no banco, porque a antiga dona estava devendo. Compramos sem olhar. Era tempo dos cheques, tínhamos que ir ao banco provar que resgatamos. Contratamos a até um detetive para achar quem estava com os cheques.
Toda vez pagávamos com nosso dinheiro para comprar de fornecedor, não tinha crédito. Um dia, um gerente de banco bateu à porta, oferecendo serviços. Falei: "A gente não pode". Mas ele abriu a conta e nos deu crédito.
E fomos indo, eu sempre no bastidor, organizando a parte financeira. A Dione não gosta dessa parte chata, pesada. Mas é isso: empreendedorismo precisa das duas partes para se complementar.
Enquanto isso, o Milton cuidava da parte industrial. Por mais que tenhamos vivido momentos difíceis, nenhum foi tão difícil. Sempre crescemos de forma orgânica. Começamos com a linha profissional e, depois, o varejo começou a vender escondido da gente. Então, a Dione mudou a linha. Lançamos a linha para o varejo em uma feira no Rio.
Dione: Foi muito legal essa feira. Tem uma curiosidade: todo mundo contrata mulheres para dançar. Contratei um grupo de dança. Nem sabia, mas eram garotos de programa, bonitos (risos). Foi um sucesso.
Mas tem uma outra coisa que quero dizer sobre a Lola. Sei que é obrigação, mas nós prometemos, lá no início, que, mesmo tudo dando errado, nunca atrasaríamos salário. E, de fato, nunca atrasamos.
Jaqueline: Imposto e folha. Aprendi com meu pai: "Bebam água, mas paguem".
Dione: A primeira coisa que muito empresário faz é atrasar salário. Nossa trajetória foi ao contrário. Temos funcionários conosco desde o início. Até há pouco tempo, sabíamos o nome de todos, mas hoje já são 400 pessoas, não dá.
Jaqueline: Nosso modelo de empresa familiar consiste em estarmos muito presentes na operação, ajudando a carregar caixa.
Isso muda com a nova conformação?
Jaqueline: Muda. Vamos para o conselho e para os comitês. Pedro, meu filho, já trabalha conosco há alguns anos e assumirá a direção da Lola.
Acho que a cultura da empresa é muito forte. O Advent já teve experiências com marcas como Kopenhagen. Manteve os times e as culturas. É bem importante manter.
Nosso público interno é muito engajado. Um fundo, um parceiro, quando vem, é para alavancar. Eles têm uma operação muito grande nos Estados Unidos com a Skala. Vamos aproveitar, assim como eles vão aproveitar nossa sinergia com o varejo. É algo muito orgânico, com pessoalização das relações, como tem de ser no varejo. No início, tínhamos uma Kombi. Íamos aos pontos de venda para ajudar.
Dione: Eu e minha equipe de marketing já dançamos em frente às lojas, nunca vou esquecer. Era uma alegria. Funcionava.

Como a identidade da Lola funciona em outros países?
Dione: Nos EUA, o varejo alimentar já é superdisruptivo. Mas os cosméticos, em maioria, são todos iguais, muito chatos. Então, quando exportamos, não importa muito o nome. O que chama atenção é a imagem.
Nosso pote se sobressai. Aliás, nos EUA, tudo precisa estar em inglês, menos o nome do produto. Os consumidores percebem que é diferente.
Jaqueline: Hoje, estamos em 40 países. Com a Skala, vamos para pelo menos 80. Na Europa, somos muito fortes, em países como Portugal, Espanha, França. Nos EUA, também. No mundo árabe e na América Latina, especialmente na Argentina, a Lola é forte. Sempre temos tradutoras que conseguem captar a brincadeira.
E agora, no conselho, será possível continuar criando nomes e imagens?
Dione: Vou ficar no comitê de marketing e desenvolvimento. Por óbvio, vou continuar dando ideias, escrevendo, porque é uma paixão. Mas as meninas do time de marketing já assimilaram bem e caminham muito bem sozinhas. Estou bem orgulhosa, porque não é muito fácil fazer a Lola. Somos mais disruptivas, não é evidente criar um produto, um nome, um texto.
Jaqueline: Agora, vamos fazer uma collab com a Renner. Somos a primeira marca de cosméticos na Renner. Vai começar em setembro. Os desenvolvimentos já estão praticamente prontos. A Renner já é nossa cliente há bastante tempo.
Vai ser um produto novo?
Jaqueline: Sim, é um produto criado. Já fizemos com a Melissa, com a Época Cosméticos também. Muitos nos pedem collab.
Dione: Mas recusamos muito também, porque, às vezes, não estão alinhados com os valores da Lola.
*Colaborou João Pedro Cecchini