
Na véspera do início do conclave para definição do sucessor de Francisco, é bom lembrar o clima que cercou a escolha do "papa do fim do mundo". E começa por aí: foi uma brincadeira feita na apresentação do até então cardeal Jorge Bergoglio como novo sumo pontífice para se referir a sua origem geográfica, mas à sua maneira irônica e sutil, uma forma de se referir ao clima na Santa Sé na época.
A renúncia de Bento XVI em 11 de fevereiro de 2013 foi creditada à idade avançada e à falta de força física e mental para se manter no cargo. Mas determinante, mesmo, foram a exposição de acobertamento de abusos sexuais e o Vatican Leaks, vazamento de informações que expôs aspectos profanos da Santa Sé: corrupção, nepotismo e favoritismo com superfaturamento de contratos e até subornos para obter audiências papais.
Àquela altura, era mesmo necessária uma disrupção, representada por Bergoglio. Suas escolhas por simplicidade, com a troca dos apartamentos papais por um quarto na Casa Santa Marta a acessórios sem luxo – sapatos comuns, crucifixo próprio em vez de o de ouro –, eram também uma forma de dar nova imagem ao Vaticano.
Precedido por quase uma dezena de reuniões da Congregação dos Cardeais – debates contemporâneos sobre os rumos do Vaticano feitos antes do rito com regras medievais – , o conclave começa sob uma condicionante: o novo Papa deve ter orientação pastoral, ou seja, precisa ter proximidade com a vida real das pessoas. Isso parece reduzir as chances do secretário de Estado Pietro Parolin, de quem se diz que pode entrar papa e, contradizendo o ditado, sair Papa.
Ao contrário de 2013, hoje a Santa Sé não precisa de disrupção. Como sinalizaram as reuniões prévias, necessita de alguma continuidade, ao menos no estilo de se relacionar com os fiéis. Como nos países desenvolvidos e até nos emergentes ocidentais – basta ver o avanço de cultos neopentecostais no Brasil – o catolicismo perde terreno, pode ser a vez de outros continentes, como Ásia ou África. Desde que seu representante não seja disruptivo.