
Apesar da recepção positiva dos cortes de R$ 31,3 bilhões anunciados na quinta-feira (22) pela equipe econômica – mesmo com o forte ruído do aumento e do bate-cabeça sobre o Imposto sobre Operações Financeira (IOF) – há um diagnóstico consensual entre especialistas em contas públicas: neste ano, ficou mais fácil alcançar a meta de déficit zero, mas o problema fiscal do Brasil "está longe de se resolver", na melhor das hipóteses.
Alguns economistas veem risco de "estrangulamento do orçamento" já no próximo ano – admitido pelo próprio governo – , mas a maior probabilidade é de que ocorra em 2027, conforme a Instituição Fiscal Independente (IFI), que aponta necessidade de reforma nas contas públicas para evitar esse resultado.
Mas o que isso significaria, na prática, já que estamos tão perto? Conforme Jeferson Bittencourt, líder de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro, não é muito diferente do que vimos no passado recente, quando a Polícia Federal deixaria de emitir passaportes, só que com a alcance muito maior:
— Serão cortados programas inteiros, é o único jeito de desenhar o orçamento.
O cenário é semelhante que ocorre nos Estados Unidos quando a dívida pública atinge o teto e enquanto não se alcança um acordo para... quebrar o teto (lembra algo?).
— O desenho da regra atual leva a um shutdown. Pela regra do arcabouço fiscal, não pode fazer o orçamento com nível de despesa maior que o limite. Só que nossa experiência em outras situações indica que vamos mudar a regra. A que a temos hoje não vai ser a de 2027. Se existe incerteza sobre a regra fiscal em um país que tem uma dívida grande e cara, faz déficit e precisa fazer um grande superávit, não tem como reclamar que o prêmio de risco da taxa de juro está alto demais.
Na hipótese de o governo eleito ou reeleito não querer fazer nova mudança de regra em 2027 – o que evita cortes disseminados, mas não o aumento da dívida –, Bittencourt observa que não há necessidade de entregar um ajuste fiscal completo para melhorar as condições de financiamento da dívida e, por extensão, da economia:
— É preciso que as pessoas acreditem que vai haver ajuste fiscal. O teto dos gastos (em 2016) gerou melhora significativa nas condições de financiamento sem entregar reforma fiscal no curto prazo. Se não houvesse o teto sinalizando que faltaria espaço para outras despesas, talvez a reforma da previdência fosse adiada. O primeiro resultado do teto dos gastos foi entregue pela credibilidade que tinha. O segundo resultado foi incentivar reformas.
Conforme Bittencourt, o reajuste do salário mínimo acima da inflação "consumiu uma parte significativa dos ganhos da reforma da previdência". E alerta que, da forma como cresce, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) vai se tornar a terceira maior despesa primária do Brasil. Hoje, a maior é a previdência, a segunda é pessoal e a terceira, Bolsa Família. A indexação do BPC ao mínimo com ganho real, afirma "em breve, vai passar o Bolsa Família".
Outra necessidade, segundo o ex-secretário do Tesouro, é rediscutir os pisos constitucionais da saúde e da educação., que haviam sido removidos com a regra do teto de gastos. E embora aposte mais na mudança da regra do que no ajuste efetivo, Bittencour pondera:
— Um cenário internacional mais turbulento, menos condescendente com desequilíbrios fiscais de países emergentes pode empurrar o Brasil para um ajuste. Se até países desenvolvidos que emitem moeda de curso internacional estão tendo menos tolerância com o fiscal, acho que todos os outros países deveriam botar barbas de molho.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo