
A interminável capacidade nacional de acomodar interesses resultou em um arranjo exótico: a Eletrobras, desestatizada em 2022, segue privada, mas o governo federal vai aumentar seu poder na companhia. É uma nova versão da máxima de que, no Brasil, até o passado é incerto.
Na terça-feira (29), os atuais acionistas e a União fizeram acordo que dá a representantes do governo federal três vagas no conselho de administração da companhia. Esse colegiado constitui a mais alta instância decisória nas empresas. É nesse fórum que se definem estratégias e são aprovados investimentos relevantes, por exemplo.
Mal havia tomado posse, em março de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva caracterizou a privatização da Eletrobras como "crime de lesa-pátria" e disse que o governo voltaria a ser "dono" da companhia. Não foi exatamente o que aconteceu na véspera, mas o governo criou uma cunha na mais alta instância decisória da ex-estatal.
A composição do conselho passou de sete – um número bastante usual, até por garantir que nunca haverá empate em uma eventual decisão polêmica – para 10 com objetivo de abrigar os indicados do governo federal. Os indicados foram Maurício Tolmasquim, Silas Rondeau e Nelson Hubner, todos com experiência no setor elétrico público.
Em março, Lula já havia indicado para o conselho fiscal o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, com baixa popularidade nos meios corporativos. Esse colegiado tem papel menos decisivo, embora importante, porque se dedica a monitorar a prestação de contas da empresa.
Ah, do que é capaz o tal Leviatã, esse símbolo do poder central e autoritário do Estado? No país do ajeitômetro, os novos acionistas não entregaram cadeiras e votos de graça. A contrapartida é se livrar de riscos relacionados à Eletronuclear.
Na privatização, a estatal nuclear foi separada, mas a Eletrobras manteve participação de 33% na operadora da usinas atômicas nacionais. Agora, terá de arrumar mais três cadeiras na sala de reuniões, mas poderá sair do grupo de controle, portanto deixa de ter obrigações. Não terá de fazer aportes, por exemplo, na eventual retomada das obras de Angra 3.