
Durante o caótico anúncio do tarifaço de Donald Trump, que afeta nada menos de 185 países, uma das grandes dúvidas era sobre a fórmula de cálculo que impunha alíquota de 49% ao pequeno Camboja, mas 34% à poderosa China. A fórmula foi revelada na noite de quarta-feira (2). E não é exatamente "rocket science", como costumam ser chamados temas muito complexos nos Estados Unidos.
É pouco mais do que uma regra de 3: usa o superávit comercial de cada país com os EUA dividido pelo total das exportações dessa mesma nação. Isso definiu as chamadas "tarifas punitivas". Para fazer de conta que há alguma "gentileza", o total foi dividido por dois.
Isso ajuda a explicar por que o Brasil ficou no grupo da "tarifa padrão". Como o país tem déficit no comércio com os EUA, como a coluna mostrou no início desse debate, o resultado do cálculo seria negativo. Para evitar esse "inconveniente", foi incluído na alíquota aplicada até para uma ilha desabitada perto da Antártica.
A coluna traz um exemplo para tornar o cálculo mais compreensível: a China tem superávit comercial de US$ 295 bilhões com os EUA, para um total de exportações de US$ 438 bilhões. Ao dividir o primeiro pelo segundo, o resultado é de 0,673.
Assim, a média das tarifas da China para produtos americanos foi estimada em 68% – com imprecisão matemática, que recomenda arredondamento para cima só quando o terceiro algarismo depois da vírgula é igual ou maior do que 5. Com a "gentileza" da divisão por dois, foi aplicada a tarifa de 34%.
Para quem não é muito amigo dos números, pode parecer um cálculo até elaborado, mas no universo da matemática tem vaga na disciplina de introdução a...
E se a equipe da matemática passou raspando, a da geografia vai ter de encarar um reforço por ter incluído até ilha desabitada. Talvez a hipótese tenha sido de que um superpinguim do Território das Ilhas Heard e McDonald possa nadar até os Estados Unidos. Parado aí: se quiser entrar, vai ter de pagar 10%.
Os impactos possíveis
Antes do anúncio oficial, bancos, universidades e órgãos de financiamento de exportações fizeram projeções sobre o impacto do tarifaço de Trump. Cada um adotou um cenário diferente para o aumento das alíquotas.
1. Goldman Sachs, uma das maiores instituições financeiras dos EUA, com aumento de 15 pontos percentuais neste ano: aumento na probabilidade de recessão de 20% para 35%, alta no índice de inflação mais observado pelo Fed de 3,5% (a meta lá é de 2% ao ano).
2. Laboratório de Orçamento da Universidade de Yale, com elevação de 13% na tarifa efetiva dos EUA: aumento de preços entre 1,7% e 2,1%, redução entre 0,6 e 1 ponto percentual no PIB e perdas de US$ 1 mil a US$ 1,3 mil para as famílias americanas.
3. Instituto das Economias em Desenvolvimento, ligado à Organização de Comércio Exterior do Japão (Jetro, na sigla em inglês), com tarifas de 25% dos EUA: queda de 0,6% no Produto Interno Bruto (PIB) mundial em 2027 (perda de US$ 763 bilhões), puxado por tombo de 2,7% no PIB americano de 2027 e forte impacto nos lucros de empresas americanas que dependem de componentes chineses.
4. Universidade Aston (Reino Unido), com tarifas de 25% sobre todas as importações, seguidas de retaliações na mesma alíquota: perda de US$ 1,4 trilhão na economia mundial e drástica elevação de preços nos EUA. Teria efeitos semelhantes ao da guerra comercial de 1930 que aprofundou a Grande Depressão.