Foi anunciado nesta sexta-feira (6) um um acordo para avançar com o tratado de livre-comércio entre União Europeia (UE) e Mercosul, negociado há quase 25 anos. Desde o início do processo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) acompanha e torce por maior abertura do Brasil ao mundo. O superintendente de Negócios Internacionais da entidade, Frederico Lamego, detalha os motivos dessa torcida.
Como a indústria nacional vê o acordo?
Deverá ter um processo de implementação gradual. Na ótica da indústria, é um grande ganho. Diz respeito ao potencial de negócios, exportações e investimentos, que se abre. Tem um dado importante: 51% das vendas do Brasil à UE é de produtos industriais do setor alimentício, metalúrgico e químico. Se a tarifa (alíquota do imposto de importação) for reduzida, potencializa o comércio nesses segmentos. Vai no sentido de nosso objetivo, de agregar valor nas exportações do Brasil no futuro. Ainda não se conhecem os detalhes, mas se estima que 5 mil produtos terão alíquota zero no início de implementação. Isso já traria ganhos para 90% de tudo que se exporta do lado da indústria brasileira.
Há risco de repetir 2019, quando um acordo foi anunciado, mas nunca implementado?
Acreditamos que não porque, segundo informações do governo brasileiro, houve mudança do fluxo de aprovação do acordo. Em 2019, da forma como foi negociado, tinha de ser aprovado no parlamento de cada um dos países. Esse novo governo reviu questões polêmicas, especialmente compras governamentais que tinham benefício exagerado do lado europeu. Um dos aspectos importantes para o êxito é que prevê aprovação direta no Parlamento Europeu para fazer o fluxo. Isso reduz dramaticamente o risco de o acordo não ser implementado.
A maior parte da indústria é favorável, mas não há segmentos que temem o acordo?
De modo geral, há visão muito positiva. Há preocupação com restrições não tarifárias (técnicas e sanitárias), mas o processo de implementação das normas ainda vai levar tempo. O setor agroindustrial do Brasil mais moderno já está correndo atrás de se adequar às regras e avançando. Existem, obviamente, segmentos mais sensíveis, como os de vinhos e de queijos. Mas a lógica de implementação do acordo em temas mais polêmicos prevê cotas (limites de quantidade de produto que pode entrar do Exterior). Será muito benéfico para intensificar as trocas entres os países.
Em que sentido?
O Brasil deixou de ter relevância relativa nos últimos anos. Houve redirecionamento no fluxo de comércio para a China. É uma grande oportunidade de revitalizar a relação histórica entre o Brasil e países europeus como Alemanha e França. Na agenda de transição energética e mudança climática, o Brasil aparece como friendly-shoring (alocação da produção de países ricos em nações que ofereçam vantagens econômicas e têm mais alinhamento com o Ocidente). Há uma cena geopolítica que se coloca.
Há motivos para segmentos tradicionais da indústria gaúcha temerem o acordo?
A indústria do RS tende a ganhar com o acordo. Há setores, como a cadeia metalúrgica, o setor automotivo, que estão perdendo competitividade. O acordo vai ampliar a agenda de cooperação técnica e tecnológica entre UE e Brasil em temas como transição energética, mudança climática e bioeconomia, que passa a adquirir status de nova parceria na medida que fortalece vínculos econômicos e comerciais dos dois blocos.
Como se esses ganhos seriam traduzidos?
A estimativa é de que o fluxo de comércio (exportações e importações somadas) pode se elevar, ao longo dos anos, para cerca de US$ 250 bilhões. É um número relevante quando se compara com o fluxo com a China, de US$ 157 bilhões. E dá perspectiva de integração do Brasil à economia internacional. É um grande objetivo que se fortalece. Grande parte das exportações brasileiras são de produtos industriais. O acordo vai potencializar isso. Quando soma à possível conclusão da reforma tributária, que vai desonerar as exportações brasileiras, torna as perspectivas para a economia do Brasil as melhores possíveis. Uma vez fechado este, outros acordos virão, com outros países. Um é com o Efta (Associação Europeia de Livre Comércio, que reúne Dinamarca, Suécia, Islândia e Finlândia). Um vai potencializar o outro. E há agenda com o Sudeste Asiático (Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura e Tailândia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos e Camboja), o Japão. Estávamos com a agenda travada de avanço de facilitação de comércio. O acordo com a UE tende a colocar o Brasil como a bola da vez.