Sobrinho de Mário Simonsen – economista emblemático no Brasil –, o atual presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carlos Ivan Simonsen Leal, não é exatamente um otimista. Há 17 anos no cargo, aponta problemas internos e externos para que o Brasil sonhe tanto com reação de curto prazo quanto com recuperação no longo. Só tempera o raciocínio sofisticado com certo humor carioca.
– Quando me chamam de presidente, fico procurando o quadro do doutor (Luiz) Simões Lopes, fundador da FGV e braço direito de Getulio – afirma.
Em sua mais recente passagem por Porto Alegre, para assinar acordo com o BRDE, reservou alguns minutos para comentar suas perspectivas para o Brasil e o mundo. Aproveitou para dar um recado:
– Sou carioca, mas espero que a revolução cultural comece no sul do Brasil. É onde há maior consciência política e social.
Lembrado da situação do Estado, contemporizou:
– Não quer dizer que estejam realmente desenvolvidos, mas é de onde podem se desenvolver.
Momento da economia
"Este momento é a ressaca da recessão. O país está saindo do momento mais grave, mas em economia conta muito uma palavra grega, histerese. É a história de como você chegou ao ponto em que está. Há uma situação geopolítica bastante complicada, no mar do sul da China, que até agora não deu maiores repercussões, mas pode dar a qualquer momento. E para lá vão 25% das exportações brasileiras."
Risco externo
"Há uma disputa de quem controla as vias navais que levam petróleo, energia, para Japão, Coreia do Sul, Taiwan e a própria China. Hoje é a marinha americana, mas há uma disputa iminente. Existe conjugação de ameaças de ambos os lados. É uma situação do que os americanos chamam de coopeticion, cooperação e competição ao mesmo tempo. Há um choque potencial. O que vai sair disso a gente não se sabe."
Ao longo de décadas, nem sempre o Executivo vai ser iluminado. Na maior parte das vezes, não foi tanto assim.
Carlo Ivan Simonsen Leal
Presidente da FGV
Imprevisibilidade
"Há 10 anos, a China decidiu não permitir o uso de minério de ferro de baixa qualidade nas suas aciarias por causa da poluição nas grandes cidades. Ao fazer isso, deu uma vantagem fabulosa à Vale. O preço do minério de ferro, que estava caindo, voltou a subir. O minério de ferro chinês, de baixa qualidade, será progressivamente retirado. Isso afeta a balança comercial brasileira. Há previsibilidade possível? Talvez um sujeito muito onisciente pudesse adivinhar, mas não saberia a data."
Questão crucial
"No Brasil, o ponto principal é que a taxa natural de desemprego parece ter aumentado. Isso significa que estamos pagando um preço muito alto por nossa falta de competitividade em vários setores. No chamado pleno emprego, teríamos 9% das pessoas desempregadas. Isso ocorre porque está com a competitividade muito baixa. Por outro lado, como se pode esperar sair de recessão tão forte, quase que construída por erros estratégicos pesados, de forma fácil e previsível? Não vai. A própria recessão exacerba o conflito distributivo."
Distorção no orçamento
"Não existe democracia representativa se a discussão sobre estratégia fica na mão de um só. Deveria decorrer de discussão entre Executivo e Legislativo e se cristalizar em opções de políticas públicas que geram o orçamento. Quando se fala em orçamento mandatório, não se trata do número, mas da política. No Brasil, temos orçamento autorizativo. Depois de aprovado, o Executivo pode contingenciar tudo. Toda decisão estratégica fica na mão do Executivo. Ao longo de décadas, nem sempre o Executivo vai ser iluminado. Na maior parte das vezes, não foi tanto assim. E deixa exposto demais a pressões. O processo orçamentário não tem condição necessária para criar sucessão de investimentos – em infraestrutura, educação, estímulo à inovação – necessária para o país ser competitivo. Sem isso, por mais que tenha recursos naturais que permitam jogar a poeira para baixo do tapete, em algum momento a realidade bate."