
O que é mais enigmático: pessoas vivenciando uma maternidade alegórica com bebês reborn (simulacro hiperrealista de um bebê humano), ou a epidemia de análises sobre tal prática? Os comentários preocupados (patologias, fim dos tempos), superdimensionam o fenômeno.
Por que pensar o uso do bebê reborn esquecendo que ele está dentro de um todo maior? A fabricação de mulheres de silicone para uso sexual está em alta. No Japão, homens até se casam com bonecas. Nos dois casos temos uma troca do vivo pelo inanimado. A sensação de sinistro, que a verossimilhança dos produtos causa, é semelhante.
E se, em vez de patologia, fosse uma forma de sabedoria intuitiva? Mulheres que sentem limitações emocionais para criar um filho optando por uma maternidade simbólica.
Este fenômeno seria descolado das exigências excessivas que são impostas às mães? Com raras exceções, as mulheres seguem sozinhas na jornada exaustiva de criar filhos. Os outros surgem apenas para criticá-las.
A crítica à infantilização revela um duplo padrão. Homens adultos brincando são menos julgados. Colecionismo obsessivo, fazer cosplay do Batman, levar sabre de luz para ver lançamento de filme de Star Wars, não gera análises da crise espiritual do mundo ocidental.
Um exemplar de bebê reborn é caríssimo, mas é mais barato do que acreditar que se pode ficar rico com o jogo do Tigrinho. E também mais em conta do que subir montanhas com os legendários para tornar-se mais homem.
A única crítica que creio pertinente, vem de mães reclamando que bebês reborn apresentam uma versão idealizada da maternidade (sem noites acordadas, choro ou desafios reais), o que poderia deslegitimar as experiências duras da realidade.
Uma análise mais séria exige nuances: há desde usos terapêuticos em processos de luto até o simples prazer de colecionador. Acredito que o que mais choca é o abandono, por algumas mulheres, daquilo que deveria ser seu objetivo maior: ter filhos de verdade. Somos muito sensíveis ao tema de mães desistentes ou levando isso na brincadeira. O fenômeno pode ser um espelho cruel de nosso próprio desamparo original e do terror frente à possibilidade de não ser acolhido pela mãe.