Sinto falta de uma palavra que descreva o estado de espírito frente a uma prateleira, com mil produtos praticamente iguais, e temos que escolher um e não sabemos qual. Quando necessitamos aprender a nos orientar em um universo que não nos interessa nem nos acrescenta. Algo entre a estupefação e o enfado.
Assim estava eu, atônito em um corredor de xampu no supermercado. Possuía instruções precisas, mas ainda assim, onde estava o produto certo? As variáveis multiplicam a oferta. Existem cabelos lisos e crespos, oleosos e secos, loiros, ruivos e morenos, mas também abre-se o flanco para os pintados ou brancos.
E também temos a função. Você quer mais brilho? Ou mais volume? Realçar a cor? Reparar as pontas? Ou revitalizar? Quanto a este último item, com todo respeito, mas cabelo é um tecido morto. Não estaria a indústria cosmética entrando na seara de Jesus? Ou almejam o que passou à Medusa?
Quem se dedicar aos rótulos, verá que pouco muda dentro dos frascos. Basicamente são variações a base de lauril sulfato de sódio. Um desengordurante barato e eficaz. Talvez você já leu esse nome no detergente da pia. Pois é o mesmo. Eles nascem iguais. São separados na infância, uns vão para a nobreza do xampu outros para a pia da cozinha.
Sim, se reencontram no esgoto, mas os que foram xampu não se misturam, mal conversam com os parentes. Ficam em rodinha comentando como era a vida no banheiro, mal consideram quem lavou pratos. Vida de produto químico não é fácil, muita discriminação funcional.
Achado o xampu não terminou. Pois se ele é bom, e retirou o sebo da sua cabeça, sua eficácia deixou seu cabelo com textura de palha de milho. Então precisamos de um óleo sintético e vamos em busca de condicionadores, no corredor em frente. Eles reintroduzem aquilo que o xampu levou. Agora, entramos no território dos silicones, geralmente dimeticona, polímero não tóxico e não inflamável para deixar seu cabelo “natural”.
Como química não tem apelo, carecemos de um toque orgânico. Afinal, não se trata de limpar cabelos, mas de comprar um elixir mágico que deixará você mais jovem e atraente. Aqui entra o departamento de picaretagem semiótica que te põe a pensar estar numa fruteira. É pêssego com germe de trigo, babosa com pectina de maçã e por aí vai o samba. Evoca-se o frescor da fruta, o exotismo de certas plantas, o poder curativo das folhas em infusão. A química se rende ao charme da botânica. Um pouco de cor e perfume e voilá: parece saído da horta da vovó e não da mesma fábrica que faz lustra móveis.
Nada contra um pouco de fantasia para encher o banho de alegria. Mas lembro do meu avô, frente a um comercial de xampu na TV, que prometia o paraíso e um pouco mais. Passando a mão no cabelo, exclamou irônico: quem diria que meu sabonete faz isso tudo!