
Pela quantidade, criatividade e diversidade dos golpes, a sensação presente no Brasil é de que vivemos em ilhas, cercados de vigaristas por todos os lados. Não há tema mais urgente do que cerrar fileiras contra a penetração do crime organizado nas estruturas de poder e econômicas e dar um basta às vigarices digitais. Mas Brasília está dormente, seja na inércia do governo federal em fraudes como a do INSS ou de benefícios sociais, no Congresso, empenhado em sugar o orçamento e em esconder, sabe-se lá por quê, a autoria de emendas, ou no Judiciário, desconectado da dimensão da trambicagem generalizada.
Nesta semana, até a propalada confiança nos fluxos entre bancos e o Banco Central foi abalada pelo que é um dos maiores golpes mundiais, o desvio de R$ 800 milhões por um ataque de hackers ao sistema que gere a troca de informações com instituições financeiras. Algo falhou brutalmente, e aí está o problema. Os crimes cibernéticos se valem de sistemas ultrapassados, de negligências nos compliances de empresas, de legislações anacrônicas e, em última análise, da falta de pressão da sociedade e dos órgãos fiscalizadores para que chegue ao fim o festim dos pilantras.
A abrangência do spoofing, a alteração de números telefônicos para impedir bloqueios e iludir incautos, é reveladora. É inacreditável que, sem poder fazer nada, milhões de brasileiros sejam bombardeados diariamente, e de forma descontrolada, por achaques de estelionatários. Em tese, a Anatel proíbe a prática de spoofing, mas a falta de normas e protocolos adotados em outros países e a ineficiência das operadoras de telefonia em encontrar soluções técnicas levam os criminosos a ocupar as brechas e faturar alto, como o caso noticiado na quarta-feira por ZH, de um idoso que perdeu R$ 1 milhão no golpe do Pix.
Festeja-se, corretamente, a queda de crimes à mão armada, mas, além da maior atuação policial, o fenômeno não se deve a um choque de honestidade. O crime encontrou práticas menos arriscadas e mais lucrativas, como a do estelionato virtual, que obtém em duas ligações o que seguidos ataques a bancos não levantariam. Os criminosos mudaram de endereço, mas polícias e órgãos de fiscalização sofrem com a escassez de investimentos em tecnologia, treinamento e foco para lidar com a envergadura das facções e a sofisticação do crime cibernético.
Os golpes eletrônicos, a infiltração de facções na economia formal e a falta de responsabilidade pelas vigarices virtuais são todos filhos do mesmo tormento. O combate às fraudes e ao crime organizado só é prioridade nos discursos eleitorais. Na prática, caminhamos para a criação de poderes paralelos. Quando as instituições acordarem, terá sido tarde demais.