
Grütas, Lituânia – Um parque de 20 hectares, a 10 quilômetros da fronteira da Bielorussia, deveria ser paragem obrigatória na carreira de líderes políticos. Em meio à floresta, jazem aqui 86 esculturas de próceres do marxismo e da União Soviética, além de líderes comunistas lituanos encarados hoje como traidores.
O parque das esculturas rejeitadas é um testemunho cruel da volatilidade da política e de como o bajulado de hoje pode ser o abominado de amanhã. É essa possibilidade de conversão de líder cercado de aduladores incansáveis para o jazigo do vilipêndio que deveria servir de aprendizado para todos os homens públicos: o poder sempre é transitório e nada mais enganador do que os escova-botas que cobrem o chefe de elogios e aplausos, sem nunca contestá-lo.
A questão central é que muitos líderes, sobretudo os de fundo autocrático, acreditam que a bajulação e o aplauso do povo são sinceras demonstrações de gratidão por sua existência
Quase surreal, o mausoléu das esculturas foi criado pelo empresário lituano Viliumas Malinauskas, que arrecadou para seu parque estátuas de líderes comunistas que ornavam as principais praças da Lituânia. Como de resto em toda a ex-URSS, elas haviam sido derrubadas pelo povo em fúria quando o império socialista derreteu. Encontram-se aqui dezenas de esculturas de Lenins e Stalins em tamanho ciclópico, em cujos pés crianças com lenço vermelho ao pescoço depositavam flores enquanto líderes locais deitavam falação e lisonjas.
O problema não está tanto nas milhares de pessoas que dedicaram suas vidas a cortejar regimes que caíram em desgraça da noite para o dia. Na URSS, como em toda ditadura, sobreviver era uma arte, e por lá ela incluía nunca ser o primeiro a parar de bater palmas nos discursos de Stalin. A questão central é que muitos líderes, sobretudo os de fundo autocrático, acreditam que a bajulação e o aplauso do povo são sinceras demonstrações de gratidão por sua existência.
A Coreia do Norte e os frenesis públicos causados pelas aparições de Kim Jong-un são a demonstração mais atual de como ditadores manipulam emoções e produzem manifestações de apoio falsamente espontâneas. Mas, em escala menor, o fenômeno acomete também líderes de países democráticos, mais acentuadamente os de fundo populista, ressalve-se.
No Brasil, a cultura palaciana de salamaleques, rituais e verborragias inúteis segue firme e forte. Já as esculturas de muita gente boa apanham como o diabo. No Rio de Janeiro, 90% dos monumentos públicos sofreram algum vandalismo recente, segundo o SOS Patrimônio. Em uma estátua de Gandhi, furtaram-lhe parte do cajado, restando um patético porrete na mão do líder pacifista indiano. Enquanto a bajulação segue viva, por aqui nem os monumentos resistem à escassez de líderes capazes de colocar o país nos trilhos.