
Por três anos seguidos, o Guaíba superou a cota de inundação em Porto Alegre. Na quarta-feira da semana passada, atingiu 3m01cm na régua do Cais Mauá, perto da Estação Rodoviária. A marca ficou um centímetro acima da cota de inundação. Os problemas foram pontuais na cidade. A inundação atingiu as ilhas.
Os gaúchos têm fresca a memória das enchentes dos últimos dois anos. Em setembro e novembro de 2023, os rios causaram muitos estragos no interior do Estado.
Em Porto Alegre, o sistema de proteção deixou a cidade seca. O Guaíba tomou duas vezes o Cais Mauá, mas o muro e as comportas evitaram a inundação do Centro Histórico. Os problemas foram pontuais.
Em maio de 2024, com mais de dois metros acima da cota de inundação, as fragilidades foram reveladas. A inundação durou um mês em partes de Porto Alegre.
Antes das enchentes de 2023, 2024 e 2025, o Guaíba não superava a cota de inundação desde 1967.
Desde a sua fundação, Porto Alegre convive com as enchentes. O Almanaque Gaúcho resgata as histórias das maiores cheias do Guaíba.
Nível do Guaíba nas maiores enchentes de Porto Alegre
- 1873 - 3m50cm
- 1914 - 2m60cm
- 1928 - 3m20cm
- 1936 - 3m22cm
- 1941 - 4m76cm
- 1967 - 3m13cm
- 1984 - 2m60cm
- 2015 - 2m94cm
- 2016 - 2m65cm
- 2023 - 3m18cm (27 de setembro) 3m46cm (21 de novembro)
- 2024 - 5m37cm
- 2025 - 3m01cm
Enchente de 1873
Os jornais apresentaram a enchente de 1873 no Rio Grande do Sul como "pavorosa", "extraordinária" e "uma das mais desastrosas". A chuva do início de outubro provocou mortes e destruição nas margens dos rios Taquari, Jacuí, Sinos, Caí e Gravataí. O Guaíba invadiu as ilhas e a cidade de Porto Alegre.
Pelo censo de 1872, a província estava com 434 mil habitantes. Porto Alegre concentrava 43,9 mil moradores.
A inundação de 1873 foi considerada a maior até a grande enchente de 1941. O Guaíba teria atingido 3m50cm.
Os viajantes e os jornais levavam as notícias adiante naquela época. O Diário do Rio de Janeiro reproduziu os textos dos periódicos que chegavam de Porto Alegre nos navios, com dias de atraso.
Em 21 de outubro, publicou as notícias de 8 de outubro, quando o Guaíba superou o paredão da doca, inundando as entradas de quase todas as ruas que chegavam à praia. Na Rua Voluntários da Pátria, só era possível passar de canoa.

A água invadiu os armazéns às margens do Guaíba, destruindo os alimentos estocados. Faltaram produtos básicos e os preços subiram de "maneira extraordinária".
O jornal O Despertador descreveu que os pobres habitantes das ilhas de Porto Alegre ficaram "trepados nos telhados das casas" pedindo socorro por sinais. Vapores fizeram os salvamentos.
O relatório do presidente da província, João Pedro Carvalho de Moraes, aponta que a chuva do início de outubro fez o nível do Guaíba atingir "proporções enormes, produzindo grandes prejuízos". A Câmara Municipal nomeou comissão para receber e distribuir donativos.
Enchente de 1936
Em 1º de outubro de 1936, a chuva torrencial impediu a circulação dos bondes em algumas linhas. Os piores dias estavam por vir.
Pela medição oficial, o nível do Guaíba chegou a 3m22cm no Cais Mauá, ficando dois centímetros acima da enchente de 1928.
A enchente de 1936, provocada pelas tradicionais chuvas de São Miguel, durou duas semanas. A cidade retomou aos poucos a normalidade.
Os dias foram de muitos transtornos. As águas do Riacho (Arroio Dilúvio) invadiram a Ilhota e outros pontos da Cidade Baixa. No centro, a inundação do Guaíba atingiu áreas como o cais, as avenidas Mauá e Júlio de Castilhos e as ruas Voluntários da Pátria e Uruguai.
O jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, publicou que o número de flagelados atingiu "cerca de 100 mil". Nos bairros Navegantes e São João, totalmente inundados, moravam 50 mil pessoas. Lojas e fábricas também ficaram inundadas. Moradores das ilhas no Delta do Jacuí foram obrigados a deixar suas casas. A cidade enfrentou desabastecimento de alimentos.
Os jornais noticiaram 10 mortes no Estado. A enchente também causou problemas em cidades do interior. O transporte ferroviário precisou ser interrompido.
Enchente de 1941

A chuva já provocava alagamentos nas partes mais baixas da cidade no final de abril de 1941. Na noite de 2 de maio, o Guaíba atingiu a cota dos três metros e começou a alagar outras áreas.
O nível no Cais Mauá chegou a 4m76cm em 8 de maio. Pelo censo de 1940, a cidade estava com 272 mil habitantes.
Casas das ilhas ficaram com água até o telhado. Entre os bairros Floresta e São João, morava a classe operária e estavam depósitos comerciais e as indústrias. Quase tudo ficou embaixo d´água.
Na Praça da Alfândega, no Centro Histórico, a água foi até a Rua dos Andradas. Cidade Baixa, Menino Deus e Azenha foram invadidos. A água foi da Avenida Praia de Belas até a Avenida Azenha. No bairro Floresta, chegou quase na Avenida Cristóvão Colombo.
No momento mais crítico, a cidade ficou sem energia elétrica, água e comunicação, afetando telefonia e telégrafo. Os bondes pararam. Os jornais não circularam. As três rádios ficaram fora do ar.
O Aeroporto de Porto Alegre, no bairro São João, ficou inundado. Os voos precisaram ser transferidos para Canoas.
A cidade precisou fazer racionamento de alimentos. O leite só podia ser distribuído para crianças e doentes. O governo do Estado estabeleceu uma tabela de preços para produtos essenciais.
Em 13 de maio, 17.253 pessoas estavam recolhidas em 84 abrigos, montados em faculdades, escolas e associações.
Quantas pessoas morreram na cidade? Sempre foi um número incerto. Em edição de 16 de maio, o jornal carioca Diário de Notícias publicou que já eram 16 mortes por afogamento. Poucos dias depois, noticiou mais um óbito. O número total de flagelados oscilou nas notícias entre 60 e 80 mil.
Enchente de 1967
O nível chegou a 3m13cm no Cais Mauá, 13 centímetros acima da cota de inundação. Sem a proteção do muro, construído na década de 1970, a água avançou pelas ruas.
A redação de Zero Hora precisou trabalhar à luz de velas. Em 23 de setembro de 1967, a manchete do jornal foi "Nossa triste cidade". A enchente afetou o transporte dos ônibus e trens, deixou boa parte da cidade sem energia elétrica e causou desabastecimento de gasolina e alimentos.

No Centro Histórico, a água do Guaíba subia nos bueiros. Nos bairros Floresta, São Geraldo e Navegantes, o nível chegou a 60 centímetros nas ruas.
O bairro Sarandi, na Zona Norte, também ficou inundado. A prefeitura de Porto Alegre concentrou no parque de exposições do Menino Deus as famílias retiradas de casa. Em torno de mil pessoas foram abrigadas.
O número de flagelados chegou a 25 mil na cidade. Porto Alegre tinha quase 900 mil habitantes.






