
A Justiça do Trabalho de Frederico Westphalen deferiu liminar pedida pelo Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) para garantir o direito à amamentação às trabalhadoras da unidade da JBS/Seara em Seberi, no norte do Estado. A decisão foi proferida em Ação Civil Pública ajuizada pelo MPT após inspeção multi-institucional realizada em junho.
O texto, ao qual a coluna teve acesso, determina medidas para que as mães possam, de modo real e imediato, amamentar seus filhos ou extrair e armazenar leite durante a jornada, com respeito estrito aos intervalos legalmente assegurados.
O tema é importantíssimo e representa um avanço relevante no combate à discriminação de gênero no mercado de trabalho. Além disso, reconhece que a ausência de condições para conciliar maternidade e trabalho constitui uma forma histórica de exclusão das mulheres do emprego formal.
Para o Ministério Público do Trabalho, as violações identificadas revelam como práticas empresariais podem ter impacto desproporcional sobre trabalhadoras, perpetuando desigualdades estruturais entre homens e mulheres.
O que a decisão determina?
A ação, ajuizada pelas procuradoras do Trabalho Priscila Dibi Schvarcz e Amanda Bessa Figueiredo e pelos procuradores Alexandre Marin Ragagnin e Pedro Guimarães Vieira, tem o objetivo de corrigir práticas que violavam direitos legalmente garantidos às trabalhadoras lactantes.
Pela liminar, aceita pela juíza Fabiane Martins, da Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, a empresa fica obrigada a, no prazo de 45 dias, disponibilizar local apropriado, e em horários compatíveis com a jornada de trabalho, para que as empregadas lactantes mantenham, sob assistência e vigilância especializada, os seus filhos no período de amamentação – ou seja, do nascimento até os 2 anos da criança, conforme preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Outras obrigações impostas pela decisão também impõem à empresa a concessão regular de dois intervalos de 30 minutos para amamentação, conforme previsto no artigo 396 da CLT, com registro obrigatório em controle de ponto eletrônico ou mecânico.
A empresa também deve divulgar de modo amplo o teor da decisão e os direitos assegurados às lactantes em lei, seja em murais internos seja por comunicação individual a todas as empregadas. Também deve garantir que os pedidos de demissão apresentados por trabalhadoras e trabalhadores estáveis sejam acompanhados pelo Sindicato da categoria profissional – incluindo a comunicação à entidade de classe sempre que qualquer trabalhador detentor de estabilidade manifestar interesse de pedir demissão. Em caso de descumprimento, a decisão fixa de multa no valor de R$ 50 mil por obrigação descumprida, além de multa de R$ 20 mil para cada trabalhador prejudicado.
Direitos desrespeitados
A liminar afasta práticas que vinham esvaziando os direitos das lactantes em Seberi, como ausência de local apropriado para amamentação e descumprimento dos intervalos previstos na legislação. Conforme verificado na ação fiscal, os intervalos não vinham sendo concedidos às trabalhadoras ou estavam sendo concentrados em uma única hora ao fim do expediente — o que não permite amamentar nem antecipar o retorno ao lar porque a trabalhadora precisava permanecer no pátio da planta frigorífica aguardando o transporte coletivo da empresa.
O MPT também apresentou na ação dados que dão a dimensão do problema enfrentado por gestantes e lactantes na planta de Seberi. Entre 2020 e 2023, 156 mulheres usufruíram licença‑maternidade na planta – 51 delas foram desligadas após o retorno. Dessas, 44 (ou 86% dos desligamentos) pediram demissão ou romperam o contrato por rescisão indireta, um sinal de que a falta de condições para amamentar empurra trabalhadoras a escolher entre a maternidade e a renda familiar – escolha que não é imposta aos trabalhadores homens.
"Esta ação não trata apenas de local e intervalos para amamentação, mas de combater um mecanismo estrutural de discriminação que empurra mulheres para fora do mercado de trabalho quando se tornam mães. Garantir condições reais para amamentar é garantir que as mulheres não sejam penalizadas profissionalmente por exercerem a maternidade", afirma a procuradora Priscila Dibi Schvarcz.
A unidade transporta para o trabalho empregados de 55 municípios, o que também evidencia as dificuldades de deslocamento e impossibilita conciliar a jornada com os cuidados de crianças em amamentação sem que os intervalos sejam efetivamente fruídos no meio do turno, com local apropriado para ordenha e armazenamento.
A proteção à maternidade não é apenas direito trabalhista, mas também direito fundamental previsto no artigo 7º, XX, da Constituição Federal, e integra o conjunto de medidas de combate à discriminação de gênero estabelecidas na Lei nº 9.029/95 e nas Convenções 103 e 183 da OIT sobre proteção à maternidade. A ausência de condições para amamentar configura discriminação indireta, afetando desproporcionalmente as mulheres e violando o princípio constitucional da igualdade.
Histórico do caso
A liminar integra um conjunto de ações propostas pelo MPT após uma operação de fiscalização realizada entre 2 e 6 de junho de 2025 na unidade de Seberi, feita pela Força-Tarefa dos Frigoríficos, que reuniu Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), CREA‑RS, CEREST Macronorte e 15ª Coordenadoria Regional de Saúde. A vistoria identificou múltiplas irregularidades — como risco de vazamento de amônia, sobrecarga biomecânica e subnotificação de acidentes — e levou o MTE a interditar parcialmente setores da planta, além da assinatura de um TAC emergencial para correções imediatas no sistema de refrigeração e medidas ergonômicas.
Desde então, o MPT ajuizou mais de uma ação tentando corrigir aspectos específicos para os quais a empresa não aceitou assinatura de acordo. A Justiça já deferiu outras liminares em ações do MPT relativas à unidade, garantindo: proteção contra ruído excessivo a gestantes, com realocação imediata de trabalhadoras expostas acima de 80 dB; privacidade nos vestiários, exigindo cabines/divisórias para troca de uniformes; regularização do prêmio assiduidade, vedando exclusão do benefício por faltas legalmente justificadas.
Essas decisões reforçam que o conjunto de irregularidades constatadas na fiscalização de junho vem sendo enfrentado por meio de medidas judiciais específicas voltadas à saúde, segurança, privacidade e à proteção da maternidade.
O MPT reafirma seu compromisso com a promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho e seguirá atuando para coibir práticas que, sob pretexto de organização empresarial, na verdade penalizam mulheres trabalhadoras e perpetuam sua exclusão do emprego formal quando exercem a maternidade.
Como tutela de urgência, a liminar tem efeito imediato. O mérito de ação será apreciado posteriormente pela Justiça do Trabalho.
Contraponto
A coluna entrou em contato com a empresa e aguarda o retorno. O espaço está aberto para manifestação




