É citando Cícero que o renascentista Michel Eyquem de Montaigne propõe, em 1572, um prisma diferente e um tanto quanto ousado para a única certeza que temos em vida: a de que vamos morrer. Diz Montaigne que é de autoria do filósofo romano a frase que diz “filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte”. Em uma interpretação curta, parte da premissa de que o pensamento e a reflexão nos transportam para um estado em que se separam alma e corpo, uma condição que se assemelha à morte. Sendo assim, filosofar nos dá uma pequena amostra de aonde chegaremos ao fim de nossa passagem pela Terra.
A quem pertence a escolha sobre morrer tranquilo, frente a uma dor insuportável?
Além dessa perspectiva, Motaigne é defensor da ideia de que nos preparemos para a morte, que é inevitável. Ou seja, enxergar a morte com naturalidade nos fará vencer o medo sobre a sua chegada.
A abordagem filosófica é apenas um preâmbulo para indicar duas conversas que fizemos na semana passada, no Timeline, da Rádio Gaúcha. A primeira com o jornalista gaúcho Adriano Silva, também sabatinado pelo jornalista Ticiano Osório em GZH. O tema: seu novo livro, O Dia em que Eva Decidiu Morrer. Nele, o autor narra a história de uma filósofa brasileira que resolve viajar à Suíça para “exercer seu direito de escapar ao martírio em que sua vida se transformou depois de sofrer um AVC brutal”.
A segunda conversa foi com Andreas Kisser, guitarrista da banda Sepultura. Kisser perdeu a esposa, Patrícia (ela tinha 52 anos), depois de um intenso tratamento contra um câncer. Na reta final, com dores intensas e não mais suportáveis sem o uso de morfina, a esposa e ele passaram a pensar sobre o direito à morte assistida e o não avanço dessa discussão no Brasil. A partir dali, iniciou uma defesa pública sobre o direito de cada um a escolher um modo pacífico e seguro de partir (movimento Mãetrícia) e, neste contexto, propôs encararmos o fim da vida como algo natural.
– Quanto mais a gente aceita a finitude, mais intensidade damos ao presente. Se pensar que a vida tem fim, a gente não vai esperar o dia seguinte para falar um eu te amo para um filho ou um amigo.
Os temas contidos neste texto não se encerram com uma resposta definitiva. Ao contrário. Há muitas perguntas no ar: a quem pertence a vida e o direito sobre ela? A quem pertence a escolha sobre morrer tranquilo, frente a uma dor insuportável? Temos a capacidade de respeitar as decisões do outro quando diferentes das nossas? A coluna de hoje chega ao fim. E encarar o fim como algo inevitável (e, por que não, relevante?) já é um bom começo.