Aconteceu. Era madrugada de quinta para sexta-feira, com temperatura baixíssima, quando o corpo enviou sinais de que não queria mais permanecer naquela posição. Eu havia adormecido por volta de 23h, cansada e com esperanças de uma boa noite de sono. Em vão. Ao contrário do que minha consciência clamava, o cérebro começou a se insurgir com pensamentos indevidos. O relógio marcava 3h da manhã.
— Vai lá, levanta. Você não vai conseguir voltar a dormir mesmo.
Eu relutei. Não era possível. Tudo que eu precisava era voltar a dormir.
Antes de prosseguir, peço licença para uma explicação. Desde que meu filho nasceu (faz dois anos), o sono nunca mais foi o mesmo. Não se trata de um dom, mas de uma condição que acompanha, pelo que percebo, a maior parte das mulheres que se tornam mães. Funciona assim: ao menor sinal de barulho, uma espécie de alerta é disparado entre neurotransmissores que se preparam para enfrentar qualquer tipo de guerra, seja um choro incontrolável porque o pequeno avistou uma baleia em sonho ou um desastre maior, provocado por uma fralda que vazou pelo lençol e o colchão. O conflito escala quando a mãe percebe que vai precisar trocar toda a roupa da criança. SOS!
Outra vez, um relato visceral. Profundo. Confessional e, ao mesmo tempo, universal. Um texto provocador sobre justiça social e sobre estruturas que perpetuam violência e opressão
Dessa vez, contudo, não posso colocar a culpa no pequeno. Despertei por mim mesma. Sabe-se Deus o que se passava na torre de controle dos pensamentos. Eu cedi. E, atendendo ao pedido de algum neurônio serelepe, fui adiante.
Primeiro, olhei para o lado, e me certifiquei que o marido dormia tranquilamente. Depois, olhei para a cabeceira do móvel à minha direita. Estava frio. Estiquei uma das mãos. Ali estava ele. Francês, 32 anos. Hesitei. Sabia que me arrependeria na manhã seguinte. Voltei a fechar os olhos. A vontade falou mais alto. Cuidadosamente, consegui puxar uma coberta e rumei pra sala. Levei Edouard Louis junto. E assim fomos. Em meio à penumbra. Eu e o exemplar de 237 páginas.
Li as cinquenta que restavam, como se dia fosse. Terminei o meu terceiro livro dele em um mês. Outra vez, um relato visceral. Profundo. Confessional e, ao mesmo tempo, universal. Um texto provocador sobre justiça social e sobre estruturas que perpetuam violência e opressão. Eu, que havia começado por Quem matou meu pai e passado por Lutas e Metamorfoses de uma mulher, só voltei para o quarto depois de terminar Mudar: método. No dia seguinte, começaria Monique se liberta.
A meu gosto, é das melhores coisas que temos na literatura contemporânea. Não precisa ser na madrugada, claro. Mas o faça. Leia Edouard Louis.