
Padre Rudimar é um incansável. Aos 54 anos, emprega todos os seus esforços para cuidar de uma comunidade de Porto Alegre que passa longe dos olhos da sociedade. Um lugar de gente trabalhadora, humilde, cheia de sonhos. Mas também um lugar onde a pobreza e a fome entram sem serem convidadas. E permanecem.
Estive com ele por conta de uma cobertura especial, na Rádio Gaúcha, que relembra um ano da enchente catastrófica que atingiu nosso Rio Grande. Naquela ocasião, o padre ganhou as manchetes do Brasil por deixar a apresentadora da TV Globo Ana Paula Araújo emocionada, a ponto de ela quebrar o protocolo, durante o Bom Dia Brasil, para lhe dar um abraço. Padre Rudi cumpria a missão de ajudar cada uma das famílias da Região das Ilhas, mas acabou contando à jornalista que, dessa vez, era ele quem também havia perdido tudo. Isto porque a água, em maio de 2024, invadiu lugares onde jamais havia chegado, inclusive a paróquia do padre Rudimar, que servira de abrigo na enchente anterior.
O homem correu para estar junto às famílias que ficaram 'acampadas' às margens da BR-290, em Eldorado do Sul
Nessa conversa que tivemos, ele contou ter sido resgatado por um voluntário em um jet ski. Depois, fora levado para um lugar seguro, uma casa de quatro pisos, onde ficaria abrigado e sem correr riscos. “E que sentido faria?”, me disse, para então explicar a decisão seguinte. “Eu fugi. Ali não era o meu lugar. Fui para onde eu deveria estar.” E, de fato, o homem correu para estar junto às famílias que ficaram “acampadas” às margens da BR-290, em Eldorado do Sul. Fazia frio, faltava comida e ele passou a organizar a distribuição das marmitas e roupas doadas. Eram famílias inteiras à margem da rodovia e da sociedade. Em lonas, estruturas plásticas, coberturas precárias, improvisadas, que não protegiam do frio, nem tampouco da chuva.
— Não tinha nada. A gente só foi ter comida, mesmo, quando o padre apareceu — contou Liane, moradora que perdeu tudo e ficou 17 dias na beira da estrada.
E assim foi. Por quase um mês. Tal como o padre, milhões de gaúchos — e mesmo os que haviam perdido tudo — foram para o front ajudar da forma que podiam. Cada um do seu jeito. Participamos dos resgates, separamos roupas e calçados, preparamos refeições, estivemos nos abrigos. Fizemos vaquinhas para comprar móveis. Limpamos as casas quando a água baixou. O padre Rudimar é um exemplo real, mas também simbólico de um povo que não foge à luta. Um povo que não se entrega. Um povo que, aconteça o que acontecer, permanecerá capaz de unir esforços para salvar os seus e reconstruir sua própria terra.