Há pessoas que se tornam testemunhas da história e têm o privilégio de conviver com ídolos. Leonid Streliaev, um dos mais premiados fotógrafos do Brasil, é um desses felizardos.
Graças à habilidade com as lentes, ao olhar de quem vê além e à fleuma que só jovens talentos têm, ele caiu nas graças do maior escritor que este Rio Grande já produziu: Erico Verissimo, que completaria 120 anos em dezembro, se estivesse vivo.
Por um desses mistérios do universo, o autor de O Tempo e o Vento simpatizou com Uda. O retratista era um cabeludo loiro de 20 e poucos anos, que um dia apareceu na casa dele, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre, com a missão de fotografá-lo para a revista Veja.
Assim nasceu uma amizade improvável. Erico fez do rapaz seu fotógrafo pessoal e oficial.
— Ele gostava de manter um círculo eclético de amigos e de receber pessoas. A casa estava sempre cheia. Era um centro de debates, em plena ditadura. Um dia ele me convidou a participar — conta Uda, hoje com 76 anos.
Cabeludo de sorte

Nessas incursões instigantes, o fotógrafo conviveu não apenas com os Verissimo, mas também com figuras como Paulo Brossard, Ulysses Guimarães e Ibsen Pinheiro, habitués da residência, onde até hoje a família vive (e segue recebendo gente!).
Certa vez, até Clarice Lispector, jornalista e escritora, Uda encontrou por lá. E fotografou, é claro.
— Eu andava sempre com a câmera —recorda ele, dando uma piscadela.
O resultado disso é um acervo imenso e, em parte, ainda inédito, com centenas de negativos e slides, que Uda vem digitalizando ao longo dos anos.
Estive na casa dele, em Canela, na Serra, e vi um pouco dessa história, que também é um pedaço da história do século 20.
Há imagens de Erico no escritório, no pátio, em cenas cotidianas e também em retratos posados. Uda enviava essas imagens em papel, em miniatura, e Erico devolvia com anotações: “Não gostei”, “esta está boa”, “talvez”. Era exigente, mas também era fascinante. E genial.
— Ele foi o maior — conclui o homem que se orgulha de ser definido como “o fotógrafo de Erico Verissimo”.
Passeio pela cidade
Certa vez, Uda chamou Mafalda (1913 - 2003), companheira de Erico, para combinar uma sessão de fotos às escondidas. Queria registrar o casal em uma de suas caminhadas, sem que o escritor soubesse.
— Eles costumavam sair por aí e pegar o ônibus para passear pela cidade. Eu queria registrar isso, mas que fosse algo natural. Falei com ela, e deu certo — conta o fotógrafo.
As imagens estão aí do lado e são verdadeiras raridades. Mostram o casal já maduro, passeando de mãos dadas.
Visita à farmácia
De tanto se interessar pela história do autor, o fotógrafo foi até Cruz Alta, terra natal de Verissimo, para conhecer a farmácia que um dia pertenceu à família e onde o escritor trabalhou.
Sim: antes de ficar famoso, Erico atuou como farmacêutico — e a prova está na imagem acima.
Comunicação de nascimento

Um dia, Erico decidiu presentear o fotógrafo com um item histórico: a comunicação de seu nascimento.
— Não sei por que ele me deu o documento, mas guardei com carinho. Quando houve o centenário dele, eu mandei emoldurar e entreguei para a família — conta Uda.





