
Figura central do rock gaúcho desde os anos 2000, Carlinhos Carneiro, vocalista da Bidê ou Balde, acaba de estrear um projeto solo, com o álbum Hotel Ritz. São 25 anos de carreira e muita história para contar.
Para falar dessa trajetória, de curiosidades e bastidores da vida nos palcos e da nova fase, Carlinhos aceitou o convite para um bate-papo no podcast Paralelas, que apresento no YouTube de GZH e nas plataformas de áudio.
A seguir, leia alguns trechos da entrevista, que (já adianto) está imperdível.
Tua carreira estourou com a Bidê ou Balde e o rock para a Melissa. Ela existiu?
Sim, era uma amiga da faculdade, colega do Rossatto, guitarrista da banda. Um dia, ela estava numa aula de sábado, lá na PUCRS. Ela tinha perdido a carona, o namorado não ia mais levá-la para Imbé. Aí eu disse: "Se tu quiser que eu te leve, eu aprendo a dirigir", e ela riu da minha cara. Não quis que eu levasse e eu continuo sem dirigir até hoje (risos). Mas eu fiz uma música que conquistou milhões de pessoas.
E todo mundo agora sabe que a tua avó é de Bagé e que tu não é publicitário. Incrível a força de uma canção, né?
É muito legal. Foi a música que nos impulsionou, que nos deu prêmio na MTV. Depois, ela nos levou para programas de televisão no Brasil todo. A gente foi morar em São Paulo praticamente por conta da Melissa.
Foi nessa época que vocês foram ao programa do Jô Soares e mentiram para ele. Como foi isso?
Isso foi engraçado, porque a gente estava muito nervoso. A moça da assessoria de imprensa disse "ó, guris, vocês não se preocupem se o Jô não for legal com vocês, porque na semana passada eu trouxe os Titãs aqui, e ele foi horrível com os Titãs". Aí nós chegamos lá verdes, com medo daquela esfinge que era o Jô.
E como foi a trolagem?
Ele perguntou como a gente criava as músicas. Aí eu disse, ah, os guris saem tocando alguma coisa e eu invento a letra em cima. E Ele: "então, se eu der um violão para vocês agora, vocês inventam uma música na hora?" E eu: "Claro!" Aí veio o garçom dele e deu para o Rossatto. Eu achei que nós realmente íamos improvisar uma música, mas ele deu uma piscadinha e saiu tocando uma música nossa que já tinha estourado no Sul, e eu fiz que estava inventando a letra.
E aí?
Aí o Jô, que não tinha ouvido nosso disco, acreditou e disse que a gente poderia gravar ela. Para mim, aquilo passou batido, mas a imprensa paulista adorou e começou a citar a Bidê ou Balde como "aquela banda que mentiu pro Jô".
Foi um sucesso incrível, mas hoje tu estás numa nova fase, em carreira solo. Como está sendo?
São 27 anos de carreira, 25 deles com oito discos lançados pela Bidê e mais 10 discos sem ela. Quando a gente entrou de férias da banda, eu achei que ia largar a música, mas, antes, decidi registrar umas ideias que tinha. Acabei me apaixonando de um novo jeito. Isso foi essencial para que eu chegasse ao ponto que estou hoje. É o primeiro disco que assino com meu próprio nome, acompanhado pela banda Os Excelents Animais, com produção do Fu_k The Zeitgeist. Tem músicas que eu já tinha inventado antes, mas que não tinha conseguido emplacar em projetos anteriores, e um monte de música nova, representando minhas vivências atuais.
Nessa caminhada, tu enfrentou uma batalha dura contra uma doença chamada alcoolismo. Como isso influenciou tua carreira?
Achei que ia abandonar a música quando parei com a bebida. Achei que não ia conseguir trabalhar com música sem beber, porque é um lugar onde é socialmente aceito que a pessoa esteja bêbada e que conviva com a bebida o tempo inteiro.
As pessoas acham que o artista tem de ser doidão, né?
E isso é muito errado, né? Por que para o músico, o artista, é socialmente aceito que ele esteja borracho, inconveniente, errando, fazendo fiasco? Desensinar isso na minha cabeça foi essencial para eu me reapaixonar pela música, me reapaixonar pelo trabalhar com a música e pela noite. A gente que está trabalhando, a gente tem que ser educado, tem de ter muito respeito e tem de gostar do que faz. Tive de construir isso na minha cabeça e isso me ajuda a me blindar do perigo da bebida, da tentação da bebida.
Faz nove anos que paraste de beber?
Vou fechar agora, nesse mês, nove anos de abstinência. A obsessão pela bebida não é mais um perigo, não é uma ideia que vem à minha cabeça. Os perigos que a doença do alcoolismo me traz hoje são outros e tenho que continuar sempre ligado na recuperação e seguir acreditando que é um dia após o outro. A cada 24 horas, eu controlo a minha doença, mas é isso, a gente vai aprendendo. E, cara, é uma outra vida que eu estou tendo. E uma tremenda alegria poder ter o privilégio de viver da minha arte
Vi uma entrevista com o Nando Reis, e ele tinha muito medo de parar de beber, vencer a doença do alcoolismo e perder a capacidade criativa. Tu teve esse medo?
Por algum tempo, sim. Acho que principalmente quando a gente tá se desintoxicando. O alcoolismo é uma doença muito traiçoeira. Ela introjeta pensamentos na tua cabeça. Tu acha que tudo vai ser impossível, que tu nunca mais vai transar, fazer música, ver teus amigos. E isso é uma bobagem que o álcool, a vontade de beber, coloca na tua cabeça. O mais importante é não beber. É só não tomar aquele um gole. Eu aprendi que a minha cabeça explodiu muito mais. Eu me tornei muito mais capaz de realizar as coisas no campo das ideias.




