
Raúl Barboza não tocava acordeon: acarinhava o instrumento e tirava do fole melodias que iam muito além da frieza das partituras (que, aliás, o velho Raulito não sabia ler). Tive a sorte — agora sei — de vê-lo dedilhar a gaita no Teatro Renascença, em Porto Alegre, no início de agosto. Foi uma linda despedida.
O mestre do chamamé, que forjou gerações de instrumentistas e deixou sua assinatura na música latino-americana, partiu nesta quarta-feira (27), em casa, em Paris, na França, onde vivia desde 1987 com a esposa. O argentino foi vítima de um ataque cardíaco fulminante.
Aos 87 anos, Raulito já não andava bem de saúde (tinha problemas nos rins e estava prestes a iniciar hemodiálise), mas a morte repentina pegou amigos e admiradores de surpresa. E Raúl Barboza tinha muitos deles, inclusive aqui, no Rio Grande do Sul, onde gostava de estar.
— Ele amava o Rio Grande, porque se sentia querido, respeitado e acolhido aqui. Sua partida é muito triste para todos nós, amantes do acordeon e do chamamé. Ele foi muito importante, foi um mestre — diz Alejandro Brites, acordeonista, amigo e parceiro de Raúl, que acompanhou o músico nos últimos shows pelo Estado.
No palco porto-alegrense, Raulito falou da infância em Buenos Aires, da paixão pela música, das raízes ameríndias, da beleza das coisas simples da vida e, generoso, deu espaço para jovens instrumentistas.
Não tocou, apenas. Hablou y hablou com o público. Impossível esquecer a delicadeza daquele homem de vida simples e coração grande. Foi a primeira vez que o vi e logo entendi por que, afinal, representava tanto para tantos músicos.
Raulito fez escola, tocou com Mercedez Sosa, viajou o mundo com a gaita a tiracolo, ganhou prêmios, recebeu o título de Chevalier de l'Ordre des Arts et des Lettres, uma das mais altas honrarias culturais francesas, mas nada disso o fez deixar de ser quem sempre foi: um homem para quem bastava a música. Agora, Raulito vai tocar em outras paragens. Gracias, hermano!






