
Quando o governo do RS sugeriu apoiar a escola de samba Portela em sua celebração à negritude gaúcha no Carnaval 2026, o debate público se limitou aos custos. É justo, já que se trata de dinheiro público (e dinheiro não nasce em árvore).
Mas também é injusto.
Nesta segunda-feira, pressionado, o governador Eduardo Leite desistiu de investir no desfile.
Será a primeira vez na história que a figura de um homem negro que viveu em Porto Alegre — chamado Custódio Joaquim de Almeida, conhecido como Príncipe Custódio — ganhará visibilidade nacional na Sapucaí. Esse destaque transcende o personagem: de forma indireta, joga luzes sobre uma população historicamente invisibilizada.
Só quem já sentiu na pele o preconceito de cor sabe o que isso significa. Eu nunca senti (sou branca e tenho sobrenome alemão), mas sei que ele existe e persiste. Não posso ser conivente com ele, assim como o Rio Grande do Sul não deveria ser.
Príncipe Custódio, que a maioria de nós, brancos, lamentavelmente desconhece, foi um líder de origem africana. Chegou à Capital no início do século 20 e se tornou figura de grande influência religiosa e política.
Babalorixá e líder espiritual, o homem conquistou o respeito de gente como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, que buscavam seus conselhos. Custódio também ajudou a consolidar as religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul — religiões, estas, que têm no RS o maior percentual de praticantes do país.
Só que muita gente, no Brasil, ainda acha que o nosso Estado é um lugar de gente de olhos azuis e pele clara — e um Estado racista. Carregamos essa pecha e seguiremos carregando.
A visibilidade da população preta "no maior espetáculo da Terra", como é conhecido o carnaval carioca, pode ajudar a mudar essa realidade — ou, ao menos, a contar o outro lado da história.
Isso justificaria eventual aporte de recursos do Estado? Devolvo com outra pergunta: o Estado por acaso não investe em eventos? Investe. Veja o caso do South Summit, importantíssimo para a imagem do RS lá fora.
É evidente que o valor e a forma do apoio à Portela precisariam ser discutidos, mas reduzir o debate a críticas ao governador (logo Eduardo Leite, que fez reformas e sempre pregou o ajuste fiscal) é, no mínimo, olhar para a cultura e a história do RS com olhos míopes.