
Em 2014, Hique Gomez sofreu uma perda irreparável: a morte de seu melhor amigo e parceiro de palco, Nico Nicolaiewsky, a pessoa com quem, por três décadas, encenou Tangos & Tragédias, um dos maiores fenômenos do teatro gaúcho. Passados mais de 10 anos, Hique diz que Nico segue vivo, por meio de sua obra.
— Eu não sinto que o Nico nos deixou. Ele nos deixou fisicamente. Não temos mais a presença física dele, mas temos a presença da consciência do Nico nesse trabalho — diz Hique, que se reinventou e, ao lado de Simone Rasslan, segue lotando teatros por onde passa, agora com A Sbornia Kontr'atracka!.
A convite do Perimetral Podcast, que divido com o Paulo Germano, Hique nos concedeu uma baita entrevista. Falou do eterno parceiro, da vida e da morte e de Porto Alegre.
A seguir, separei alguns trechos da entrevista, que já está disponível na íntegra no YouTube de GZH e nas plataformas de áudio.
Veja o Perimetral Podcast na íntegra:
Com a morte do Nico, como ficou a tua cabeça? Não deve ter sido fácil, né?
Não foi fácil, mas a minha mãe é de formação espírita. Nós estivemos sempre muito perto da questão do espiritismo e da vida além da morte.
Dentro de ti, como foi isso?
Nós perdemos a parte física do Nico. Mas nós não perdemos o Nico, porque o Nico está dentro do conceito da Sbórnia. Quem cria os conceitos? São as consciências. As consciências não morrem. Eu não sinto que o Nico nos deixou. Ele nos deixou fisicamente. Não temos mais a presença física do Nico, mas temos a consciência dele nesse trabalho.
É um pedaço da alma do Nico que permanece, porque um artista, quando cria uma obra, aquilo vem da consciência dele. Bach, por exemplo, criou obras incríveis. As pessoas acham muito surpreendentes os 30 anos do Tangos & Tragédias, né? Mas faz 300 anos que a gente ouve Bach, que loucura, entendes? A consciência daquele cara está na obra dele. Está naquelas partituras, mesmo que um dia as partituras deixem de ser executadas.
Havia uma vontade de continuar próximo da consciência do Nico?
Eu sentia que nós deveríamos continuar, sim, e as pessoas pediam muito: "Não deixem a Sbornia morrer". Foi o que fizemos, e isso só podia ser possível em Porto Alegre.
Tangos & Tragédias e a Sbornia são mesmo muito associados a Porto Alegre, né? Como você vê a cidade e qual é a sua relação com Porto Alegre?
Tangos & Tragédias só podia ter nascido em Porto Alegre, no hiperpampa, como eu falo. O Nico já fazia essa fusão do hiperpampa, tocando gaita e tocando músicas folclóricas. A gente brincava muito com essa bagagem genética.
Porto Alegre é o hiperpampa? O que quer dizer isso?
O hiperpampa é essa região que é o grande pampa, é o Uruguai, é a Argentina e é o Rio Grande do Sul, o Sul do Brasil pela natureza, porque a natureza é muito similar aqui e nesses países. Tem o mesmo tipo de pessoa e tem o mesmo tipo de expressão folclórica.
Porto Alegre é uma espécie de hiperpampa urbano?
É um hiperpampa urbano que faz a síntese de todos esses folclores.
E tu gosta de Porto Alegre?
Eu adoro Porto Alegre.
Por quê?
Porque eu sou Porto Alegre, e eu gosto de mim. Uma cidade é feita de quê? De ruas, de recursos hídricos, de árvores, de asfalto e também de pessoas. A cidade não é por si, a cidade quem faz são as pessoas, são os elementos da natureza que estão nesse lugar. E eu gosto das pessoas daqui.