O jornalista Dogival Duarte era apenas um dos milhares de fãs das músicas e letras avassaladoras de Belchior. Quis o destino que se tornasse amigo, hospedeiro e confidente do artista. Os derradeiros passos do cantor e compositor cearense — que morreu em 30 de abril de 2017, aos 70 anos, durante um período de autoexílio em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo — agora são tema de livro. E que livro.
Nas 382 páginas de "Belchior: cenas do último capítulo", que será lançado nesta quarta-feira (30), em Santa Cruz (leia mais abaixo), Dogival conta a história de amor e admiração de quem acolheu (e refugiou) o ídolo como se fosse da família.
— Eu não ia escrever nada, mas estava angustiado. Um pessoal do Rio de Janeiro veio até Santa Cruz me entrevistar e publicou um material cheio de inverdades. Aquilo me deixou zangado. Aí o Frei Betto, que é meu amigo, me disse: "Tu tens de corrigir isso!" Foi o que fiz — diz Dogival, como se tivesse tirado um peso dos ombros.
Vi de perto um pedaço dessa história. Estive em Santa Cruz há oito anos, quando a notícia da morte do ícone da MPB veio à tona. Refiz os passos finais de Belchior para uma reportagem publicada em Zero Hora e fui recebida por um Dogival emocionado e incrédulo, ao lado da mulher, Bruna, e do filho, Dionel.
No fim da vida, o autor de "Medo de Avião" decidiu fugir da fama, da família, das contas e dos julgamentos. Exilou-se no interior do Rio Grande do Sul, depois de passar pelo Uruguai e por Porto Alegre.
Ao lado da então companheira, Edna Assunção Araújo, encontrou abrigo em um sítio, em um mosteiro de monjas beneditinas e nas casas de fãs, que mantiveram o hóspede em segredo até o fim.
— Antes de recebê-lo, procurei por ele em muitos lugares. Quando o encontrei, foi uma alucinação — recorda Dogival, que chamava o bigodudo boa-praça de "Bel".
O artista ficou um ano (entre idas e vindas) com a família Duarte. Foram muitas noites regadas a vinho, falando sobre literatura, música e filmes. Dogival levava o "rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso" para passear pela cidade de carro e mostrar o famoso túnel verde, mas ele não queria sair do veículo nem ser visto. Ansiava pelo anonimato. Edna alardeava que o artista estaria sendo "perseguido" e que deveria permanecer anônimo.
— Insisti para ele cantar outra vez e ganhar algum dinheiro para comprar um sítio e ficar bem, mas compreendi, com o tempo, que o Bel não queria mais voltar aos palcos — lembra o jornalista.
Até hoje, é difícil entender o que aconteceu com Belchior, mesmo para quem conviveu com ele. Desde sua partida (vítima de um rompimento da aorta), Dogival sonha com o ídolo. Embora Bel desejasse ficar incógnito, o escritor acredita que, se estivesse vivo, teria gostado de ler o seu livro.
— Um dia, ele apareceu nos meus sonhos perguntando pelo trabalho. Não era sobre o meu trabalho na rádio ou no jornal. Era sobre o livro. Ele queria saber como estava indo. Queria vê-lo publicado — conta o autor, cheio de saudade e boas lembranças.
Serviço

O quê: lançamento do livro "Belchior: cenas do último capítulo"
Quando: nesta quarta-feira (30), data dos oito anos da morte de Belchior, a partir das 20h
Onde: no Barbudas Bar, na Rua Borges Medeiros, 733, no centro de Santa Cruz do Sul, com sessão de autógrafos e um tributo a Belchior com show da Banda Ramal 314
Como comprar o livro: estará à venda no local por R$ 80 e, depois do lançamento, direto com o autor, pelo WhatsApp (51) 99922-0060