
Até pouco tempo, acreditava-se que a trufa - iguaria rara, oculta no solo e valiosa na alta gastronomia - não existia no Brasil. Era conhecida principalmente em regiões da Europa, na Itália e na França, escondida em meio às raízes de carvalhos e castanheiras. Ledo engano.
O mais incrível dessa história é que o primeiro exemplar identificado em terras brasileiras é daqui. Foi encontrado em Cachoeira do Sul, na Região Central, à sombra de nogueiras-pecã. A trufa sapucay - assim batizada pelo chef Paulo Machado, em homenagem ao grito guarani, um dos povos originais do Rio Grande do Sul - tornou-se ingrediente cobiçado mundo afora.
A descoberta partiu de dois gaúchos: o biólogo Marcelo Sulzbacher e o agrônomo Diniz Fronza. Depois de abordar o tema no doutorado em Biologia de Fungos e de visitar produtores na Europa, Sulzbacher voltou ao Estado para seguir nos estudos na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), junto do professor Fronza, do Departamento de Solos da instituição.
A dupla percorreu propriedades rurais, cavocou o barro, esmiuçou matas e nada. Até que, em 2016, no pomar da Paralelo 30, empresa cachoeirense produtora de nozes, localizaram uma bolinha amarelada (veja mais fotos abaixo) e levaram para o laboratório.
— Depois de dois anos de pesquisas e análises, confirmamos o achado e publicamos um artigo nos Estados Unidos. O nome científico escolhido foi Tuber floridano, justamente porque há fungos semelhantes na Flórida — conta Sulzbacher, hoje à frente da empresa Terroir Sul, especializada em trufas e cogumelos.
A partir dali, a sapucay ganhou fama - foi inclusive tema de palestra no Mesa São Paulo, principal festival de gastronômico da América Latina. A maior safra até agora ocorreu entre 2020 e 2021, com 10 quilos (cada quilo custa R$ 8 mil), e o cultivo de trufas já é uma realidade no Estado.
— Vocês têm um verdadeiro tesouro aí no Sul. Essa trufa tem notas amendoadas e suaves. O sabor e o aroma são incríveis e únicos — diz Machado, que vive na Espanha e é idealizador do projeto Food Safaris.
Anota aí
A trufa - não estamos falando do chocolate! - é um fungo da família Tuberaceae. Nasce sob a terra a uma profundidade de 20 a 40 centímetros, em geral junto a carvalhos e castanheiras. Algumas espécies são consumidas pelo ser humano há milhares de anos e é comum o uso de porcos ou cães farejadores na colheita.
Por que sapucay
A ideia do nome partiu do chef Paulo Machado, natural do Mato Grosso do Sul, durante um fórum na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a convite do biólogo Marcelo Sulzbacher. Depois de saber da história por trás da descoberta, Machado olhou para o fundo do auditório e viu um painel com figuras indígenas pintado em 1976 por Eduardo Trevisan (chamado A lenda de Imembuí; veja uma parte dele na imagem abaixo).
— Aquilo me deu um estalo. Lembrei do sapucay, o grito guarani, um povo que habitou toda essa região fronteiriça. O pessoal adorou, e a ideia pegou — recorda Machado.

Onde encontrar
É possível degustar a trufa em receitas de restaurantes como o Entre-Vales, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo. O DOM, de Alex Atala, também já trabalhou com o ingrediente, assim como o Parador Hampel, em São Francisco de Paula, o Vale Rústico, em Garibaldi, e a Truferia San Paolo, na capital paulista. Mas tudo depende da safra. Neste momento, a colheita 2021/2022 está quase terminando.