
"O amor nasce da escuta, e na não escuta ele termina." (Rubem Alves)
À pressa tem sido atribuída a superficialidade das relações humanas, com repercussão imediata na crescente dificuldade de ouvir, que foi minguando a relação médico/paciente e empobrecendo criticamente a aproximação afetiva entre duas pessoas reunidas pela aleatoriedade da doença, que forçou o encontro de dois desconhecidos e que, independentemente da formação cultural deles, naquele instante não serão mais do que duas pessoas.
O impacto emocional do diagnóstico, o tamanho do risco envolvido, o tempo de convívio e o desfecho do tratamento contribuirão para o estabelecimento de vínculos afetivos tão variados quanto são diferentes as reações humanas em situações semelhantes. Esse vínculo pode ser tão superficial quanto aquele que resulta no esquecimento do nome de ambos. Mas outras vezes, e para encantamento mútuo, a vivência dramática compartilhada com a intensidade por duas criaturas sensíveis pode resultar em amizade definitiva, cultivada com ternura e gratidão.
Quando revisamos o início dessas relações especiais que, com sobradas razões, serão guardadas com carinho definitivo no nosso arquivo emocional, concluímos que a primeira entrevista abriu o caminho. E que a conquista ou eventual repulsa que resultou dependeram da nossa capacidade de ouvir — ou da falta dela.
Há muitos anos, quando entreguei a prescrição e lhe ofereci a mão para a despedida, uma velhinha, muito debochada, me surpreendeu: "Sei que esse nosso amor vai dar certo, porque você ouve com os olhos".
Hoje, com certeza, ela seria convidada a dar aula no nosso Curso A Medicina da Pessoa, por conta dessa lição que lá atrás me pareceu despretensiosa, mas que o tempo consagrou como duradoura.
Nenhuma conversa se completa se a linguagem corporal for excluída.
J.J. CAMARGO
Quando o paciente se queixa que "o doutor só olhava para o computador", ele está certo: na ausculta integral, os olhos são imprescindíveis. Não querendo ser inflexível, e admitindo exceções, em princípio não confio que esteja mesmo ouvindo quem não olha para a pessoa que está falando. No momento mágico da escuta, não dá para fazer duas coisas ao mesmo tempo. E nenhuma conversa se completa se a linguagem corporal for excluída.
Por outro lado, nossos olhos são os melhores sensores para louvar emoção ou delatar hipocrisia, porque enxergam além do que consideramos ver. Como observaram os responsáveis pela seleção de candidatos a executivos de uma grande multinacional que, colocando um poderoso zoom no olho dos candidatos, identificavam instantaneamente os dispensáveis. Ótimos currículos não compensam córneas secas diante de um relato emocionante.
Além disso, os desprovidos de inteligência emocional são péssimos gestores de pessoas, não importa o quanto sejam tecnicamente qualificados. A menos que a tarefa destinada não inclua a interação com a vulnerabilidade de seres humanos em sofrimento.



