
"Quem perdeu a confiança não tem mais o que perder" (Públio Siro)
Eu nem lembrava mais que tinha indicado um médico ao Rudolf, um paciente antigo, pureza total e emoção à flor da pele. Desses tipos emotivos que umedecem a conjuntiva só porque o reencontro foi inesperado, tamanha a relação de confiança que estabelecemos a partir de uma convivência dura e exigente na década de 1990.
Uma reconsulta, 20 anos depois, expôs um homem triste e sofrido: "Meu doutor, o pulmão nunca mais me incomodou, mas eu voltei porque perdi o meu médico".
"Desculpe, Rudolf, eu não sabia que ele tinha morrido."
"Ah, o senhor nem imagina, ele morreu para mim. Foi muito triste, mas durante a pandemia a nossa relação de confiança se quebrou. E, quando isso acontece, é difícil recomeçar porque a pureza lá do começo, o senhor deve saber, não se remenda!"
"Disso eu sei bem, Rudolf. Talvez mais do que era justo saber."
"Pois é, doutor, eu até quis perdoar, mas, de tanto não conseguir, desisti. Então preciso de outro doutor e que seja uma pessoa boa, porque eu nem vou viver tanto tempo para suportar outra perda, se ele não for confiável."
Para cultivar relações de confiança, são essenciais a honestidade, a empatia e a previsibilidade
Ele conservava a elegância fidalga do chapéu panamá, mas o passo era mais curto e o olho fundo de tristeza carregava o luto pela morte da confiança destroçada.
Daquela consulta resultaram duas sensações contraditórias: primeiro, do quanto a relação médico/paciente pode assumir uma densidade improvável quando, apesar de construída no universo da incerteza e do medo, prosperou na confiança.
E segundo, como nos tornamos vulneráveis ao perceber que fomos ingênuos colocando-nos à mercê de uma confiança suscetível a oscilações.
Mais importante: uma quebra de confiabilidade compromete as relações futuras, porque é quase impossível reconquistar um desconfiado.
A confiança é um elemento essencial nas relações humanas, e conquistá-la não requer nenhum esforço consciente porque ela se alimenta da espontaneidade, enquanto perdê-la pode ser um processo rápido e devastador.
Para cultivar relações de confiança, além de praticar a honestidade e empatia, é indispensável a previsibilidade. Numa relação de confiança, não há espaço para surpresas, nem tempo a perder com maquinações sobre qual será a reação do nosso eleito como confiável.
O dano da quebra de confiança, que machuca tanto, em qualquer fase da vida, se multiplica com a idade porque certamente a velhice os torna menos crédulos e menos propensos a esforços exagerados na tentativa de resgate de uma relação que supunham ser uma construção definitiva, mas ruiu.