
O interrogatório dos réus no processo que apura complô golpista para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após o pleito de 2022 chegou ao ápice na tarde desta terça-feira (10). Frente a frente estão o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o principal dos 31 réus no episódio: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Por que Bolsonaro está sentado no banco dos réus? Conforme a acusação, derrotado em sua tentativa de reeleição, ele teria estimulado e participado de uma tentativa de golpe de Estado. Ela incluiu a elaboração de uma minuta para possível decretação do Estado de Sítio no país (com suspensão de direitos democráticos como sigilo e inviolabilidade do domicílio). Esse rascunho, debatido com diversas autoridades governamentais (como elas próprias admitem), permitiria inclusive a prisão do magistrado que o interroga agora, Alexandre de Moraes.
Moraes começou o interrogatório em alta temperatura. Leu em voz alta trecho de uma reunião com ministros, gravada, em que Bolsonaro insinua que existe uma combinação no STF para que seu adversário vencesse a eleição:
"Os caras tão preparando tudo pro Lula ganhar no primeiro turno, pô...aqui alguém acredita em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes?", pergunta Bolsonaro aos seus ministros. Ele mesmo responde que não e que não daria para levar o STF a sério.
Bolsonaro, veemente em sua defensiva, diz que contrariou muitos interesses e por isso é perseguido desde o início do seu governo, com "antipatia enorme da imprensa contra minha pessoa". Falou mais: que se depender dele, serão horas de depoimento, em que vai passar a limpo sua gestão, "que jogou dentro das quatro linhas da Constituição".
Convocados por Bolsonaro para assistir ao depoimento pela TV, muitos bolsonaristas se mostram animados. Dizem que vários réus, ao depor, não confirmaram a tentativa de golpe. O próprio delator-mor, coronel Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro), confirmou as reuniões golpistas, mas as comparou "a papo de bar entre amigos, como no futebol", em que todos acusam de roubar do seu time.
Contribui também para o otimismo dos bolsonaristas o depoimento vacilante do ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, 20 dias atrás. Interrogado por Alexandre de Moraes, ele afirmou não ter testemunhado qualquer "conluio" entre Bolsonaro e o então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, no sentido de impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A declaração contraria o que ele próprio tinha dito à Polícia Federal (PF), quando relatou que Garnier teria se colocado à disposição de Bolsonaro para executar ações para impedir que Lula assumisse a Presidência. Até agora, o número de testemunhas e réus que negaram o golpismo é maior que o dos que confirmam.
Acontece que, no processo que apura a tentativa de golpe, os depoimentos são apenas um detalhe. O inquérito da PF também contém gravações, depoimentos, confissões, documentos apreendidos e conversas grampeadas dos que queriam impedir a qualquer custo a transição de governo. Alguns exemplos:
- Planos de assassinatos: a Polícia Federal encontrou no computador do general Mário Fernandes (um dos mais fieis auxiliares de Jair Bolsonaro e Braga Netto) um arquivo chamado "Punhal Verde Amarelo", cujo conteúdo teria sido impresso no Palácio do Planalto após a derrota bolsonarista nas urnas. Conforme a investigação, era um plano de sequestro e possível assassinato do ministro Alexandre de Moraes e de assassinato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-presidente Geraldo Alckmin. Com relação a Lula, o arquivo cita a possibilidade de "envenenamento ou uso de química / remédio que lhe cause um colapso orgânico".
- Monitoramento de ministros e políticos: a PF assegura que um grupo de oficiais das Forças Armadas e policiais teria seguido autoridades, com vistas a vigilância, mas também possível sequestro e assassinato. Entre os alvos estavam o ministro do STF Alexandre de Moraes, Lula e Alckmin.
- Pressão aos comandantes das Forças Armadas: oficiais superiores das Forças Armadas assinaram uma carta na qual conclamavam os comandantes a tomarem atitudes contra o que consideravam fraude no processo eleitoral. Os chefes do Exército e Aeronáutica que se negaram a aderir a essa proposta foram atacados de forma sistemática nas redes sociais, sendo chamados de "melancias (verdes na farda, vermelhos por dentro), traíras, cagões e outros adjetivos.
- Estímulo a manifestações e bloqueios de rodovias: a denúncia contra Bolsonaro e seus ministros garante que eles planejaram, estimularam e foram decisivos para que manifestantes inconformados com a vitória eleitoral de Lula bloqueassem estradas. Além disso, teriam estimulado a permanência de militantes de extrema direita em frente a quartéis, pedindo golpe de Estado, por meses. Entre os indícios apresentados pela PF estão conversas de WhatsApp e Telegram trocadas na cúpula bolsonarista e interceptadas.
É com relação a esses indícios e não com as falas dos interrogados que Bolsonaro deve se preocupar.