
O ataque de aeronaves norte-americanas a usinas nucleares do Irã marca o ingresso dos EUA em mais uma incursão bélica no Oriente Médio, a quarta em tempos modernos. Todas as outras foram marcadas por ocupações terrestres por parte das tropas estadunidenses e terminaram em guerras civis caracterizadas por grande morticínio. Até por isso, é provável que Donald Trump relute em enviar soldados. Afinal, ele se elegeu prometendo acabar com guerras no planeta, não deflagrá-las.
Ao assumir, em janeiro passado, Trump deu um discurso no qual assegurou que conseguiria a curto prazo finalizar os conflitos Rússia x Ucrânia e Hamas x Israel. Nenhuma das duas coisas se concretizou e agora o presidente norte-americano acaba de ordenar um ataque aéreo contra o Irã, colocando em alerta congressistas dos Estados Unidos, inclusive os da sua base de apoio. O problema, para ele, é se os iranianos não aceitarem o ultimato de acabar com o programa nuclear. Caso os EUA enviem tropas terrestres, estará configurada mais uma incursão ao barril de pólvora chamado Oriente Médio.
Não que esse tipo de ação seja novidade. A nação norte-americana ainda engatinhava, poucos anos depois da sua independência, quando enviou tropas à Líbia, em 1801. O objetivo era proteger os navios ianques dos ataques de corsários berberes que atuavam na região. As incursões se repetiram até 1805, quando foram firmados acordos com governantes muçulmanos da região para atenuar a pirataria.
De lá para cá os americanos vivenciaram alguma ação no Oriente Médio durante a II Guerra Mundial (quando, no apoio às colônias britânicas e francesas, foram vitoriosos) e depois veio a calmaria. Na década de 80 mandaram fuzileiros apoiarem cristãos no Líbano e sofreram centenas de baixas em atentados a bomba feitos pela milícia xiita Hezbollah, financiada pelo Irã. E então a tradição guerreira e intervencionista dos EUA se fez presente: três conflitos intensos em três décadas. Confira:
Guerra do Golfo (1990-1991)
Em 2 de agosto de 1990, o Iraque invadiu e conquistou o Kuwait. Foi um arroubo nacionalista do ditador iraquiano Saddam Hussein, interessado em conquistar mais campos de petróleo. O presidente dos Estados Unidos, George H. W. Bush, decidiu não deixar barato e, apesar de ex-aliado de Saddam, decidiu expulsar os iraquianos. Para isso, coordenou uma coalisão de 30 países, uma das maiores desde o fim da II Guerra. Seis meses depois da ocupação, essas tropas retomaram o Kuwait, em combates que duraram alguns dias, e expulsaram os iraquianos de volta a seu país. O resultado estimado foi de 25 mil iraquianos e 292 militares da coalisão, mortos. Além de quase 5 mil civis aniquilados nos dois países, em Israel e na Arábia Saudita. O Kuwait não voltou a ser ocupado e pode-se dizer que os americanos alcançaram seu objetivo.
Guerra do Afeganistão (2001-2016)
Logo após os ataques terroristas patrocinados por Osama Bin Laden em 11 de setembro de 2001 nos EUA (com saldo de mais de 3 mil mortos nos aviões e em solo) o governo norte-americano ficou sabendo que o extremista muçulmano estava refugiado no Afeganistão. E determinou que o país fosse ocupado por tropas estadunidenses, até a remoção do governo talibã, que protegia os fundamentalistas islâmicos da Al Qaeda (chefiados por Bin Laden).
Com apoio da Inglaterra e outros países de língua inglesa, os norte-americanos derrubaram o governo talibã e instalaram no poder a Aliança do Norte (coalisão tribal que se opunha aos extremistas). Foram anos para tentar consolidar um novo regime, mais favorável ao Ocidente. A presença das tropas ocidentais resultou numa guerra prolongada que levou a cerca de 70 mil mortes da coalisão antiterrorista (3,5 mil delas de norte-americanos e seus aliados ocidentais) e cerca de 84 mil mortos ligados ao Talibã e Al Qaeda.
As tropas norte-americanas saíram do país 15 anos depois de ingressarem. O frágil governo pró-ocidental do Afeganistão foi acossado militarmente durante alguns anos, até que em 2021 o Talibã retomou o poder, instaurando uma ditadura religiosa extremista naquele país. O que deixou nos norte-americanos a sensação amarga de terem repetido o fracasso geopolítico vivenciado décadas antes, com sua derrota na Guerra do Vietnã.
Guerra do Iraque (2003-2012)
Os Estados Unidos ocuparam o Iraque em 2003 com uma alegação semelhante à que usaram agora contra o Irã: localizar e destruir um arsenal de uso proibido. Na época, serviços de inteligência norte-americanos acusavam o iraquiano Saddam Hussein de manter armamentos químicos vetados pela ONU, para uso contra opositores. Agora o ataque às usinas nucleares iranianas é para conter a suposta fabricação de bombas atômicas.
No caso iraquiano, a presença de tropas estadunidenses e inglesas durou nove anos. De começo, derrubaram o ditador Saddam e estimularam a ascensão de seus opositores, em maioria da religião xiita. Só que o caldeirão político ferveu e logo os norte-americanos se viram imprensados entre os xiitas do novo governo e os sunitas de vários ramos (ex-integrantes do governo Saddam e grupos terroristas de diversos matizes). Virou guerra civil e as tropas dos EUA se retiraram em 2012. A luta fratricida entre os iraquianos prosseguiu com o surgimento da mais radical organização extremista muçulmana, o Estado Islâmico, nos anos subsequentes. Mas no combate a ela os norte-americanos tiveram participação apenas simbólica. O fato é que perderam a influência que tinham conquistado no Iraque.
São experiências a serem levadas em conta no Irã. É nesse plano duvidoso das alianças temporárias, em que o inimigo do meu adversário vira meu amigo, que Donald Trump acaba de colocar seus conterrâneos. Num primeiro momento, sem chegar perto, só pelos ares. Talvez os americanos, feito gatos escaldados, nem arrisquem mais do que isso.