
O petardo da semana no mundo político é o relatório de 1.125 páginas produzido pela Polícia Federal (PF) sobre o uso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitoramentos ilegais durante o governo Jair Bolsonaro (PL). É um trabalho gigantesco, que resultou em 36 indiciados por envolvimento numa rede de espionagem ilegal - entre eles, um dos filhos do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Fizemos uma busca detalhada e ela mostra que entre os espionados estão cinco senadores, 13 deputados e 28 jornalistas, além de autoridades do Judiciário e do Executivo.
No relatório, a PF classifica as vítimas da espionagem em oito categorias: geral, servidores do TSE e institutos de pesquisa, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público, servidores públicos, proteção do núcleo político e contexto não identificado. Uma das providências determinadas a servidores da Abin (antigo-SNI) era monitorar onde estavam e com quem se encontravam os principais adversários do governo - e também, curiosamente, alguns aliados. O clima era de desconfiança generalizada. Para fazer isso, os arapongas utilizavam o software "espião "FirstMile", aparelhagem de fabricação israelense que permite rastrear celulares em tempo real. Para encontrar o alvo, basta digitar o número do contato telefônico dele no programa e acompanhar em um mapa a última posição (o objetivo é saber onde está o monitorado, quem ele visita, com quem conversa).
A outra providência dos espiões era produzir dossiês sobre os alvos, que eram entregues ao chamado "Gabinete do Ódio", um grupo de defensores de Jair Bolsonaro que seria, segundo a PF, coordenado pelo filho dele que é vereador, Carlos. A interceptação de mensagens de WhatsApp e Telegram trocadas pelos integrantes do suposto gabinete mostram orientações como "caçar podres", "buscar problemas na Justiça", verificar "doações".
Políticos estão entre os alvos prioritários. Dentre eles, dois ex-presidentes da Câmara Federal: Rodrigo Maia (DEM-RJ, na época) e, depois dele, Arthur Lira (PP-AL). Maia e a então deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP, na época), além de terem celulares monitorados, foram seguidos fisicamente durante um jantar. A operação foi autorizada por Alexandre Ramagem (então diretor-geral da Abin) e executada por agentes em uma viatura da Polícia Federal, diz a própria PF.
Outros parlamentares monitorados incluem os deputados Alessandro Molon (PSB-RJ), Kim Kataguiri (União-SP), e João Campos (PSB-PE, hoje prefeito de Recife PE), José Guimarães (PT-CE). De todos, pedido para "cassar podres". Entre os que foram seguidos e tiveram dossiês expostos estão dois considerados "inimigos" do governo: os ex-deputados David Miranda (PSOL-RJ, já falecido) e Jean Willys (PSOL-RJ).
Senadores da CPI da Pandemia também foram alvos. Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues (REDE-AP, à época) foram monitorados, com pedidos para investigar assessores, levantar informações negativas e mapear ligações com a Transpetro. Eles também sofreram ataques coordenados nas redes sociais.
Outros dois senadores foram espionados, informa o relatório da PF: Humberto Costa (PT-PE) e Alessandro Vieira (MDB-SE).
Mesmo aliados não escapavam da espionagem. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), e sua esposa, Analine Castro, foram investigados com ordem expressa de "levantar todos os podres" do casal. Entre os monitorados também estão outros políticos de direita, como Gustavo Gayer (PL-GO), Evair Vieira de Melo (PP-ES), Gilberto Nascimento (PSD-SP) e Aveilton Silva de Souza (PL-PA). A suspeita da PF é que a Abin fazia isso para coagi-los a manter apoio ao governo federal. Em relação a um dos espionados, Luís Cláudio Fernandes Miranda (Republicanos-SP), a orientação é explícita:"explodir informações negativas".
Da lista de vigiados consta apenas um parlamentar gaúcho: o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), muito ligado ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nas páginas 248 e 443 do relatório da PF estão orientações aos agentes da Abin para "buscar problema na Justiça" referentes ao parlamentar.
Ouvimos Pimenta, que não se mostra surpreso e lembra um diálogo áspero que teve com Carlos Bolsonaro pelas redes sociais. O vereador carioca, filho do ex-presidente, declarou que "a vida de Paulo Pimenta terá uma reviravolta antes de julho de 2025". Em resposta, o deputado federal gaúcho escreveu "não tenho medo de miliciano, de golpista, nem de covarde bravateiro...Tic, tac, tic, tac..."
Pimenta acrescenta:
- Sempre disse que estamos lidando com uma organização criminosa que se apoderou da estrutura do Estado para perseguir adversários e tentar nos intimidar.
Conforme a PF, a ordem dada pelo "Gabinete do Ódio" a agentes da Abin para "buscar só problema na Justiça" atinge ainda dois outros conhecidos adversários do bolsonarismo: Orlando Silva (PCdoB-SP, namorado da deputada federal Fernanda Melchionna, do PSOL-RS) e Leonardo Brito (PT-AC). Orlando Silva também comentou a situação:
- Eles tentaram me intimidar por eu ser um opositor firme daquele governo. Vasculharam minha vida em busca de algo para me ameaçar. Só encontraram luta. Estudarei o caso e tomarei todas as medidas jurídicas cabíveis. Não passarão - declara.
O número de parlamentares vigiados pela chamada "Abin Paralela" só é superado pelo de jornalistas. Entre os mais notórios integrantes da mídia que tiveram celulares monitorados e dossiês expostos estão Vera Magalhães (jornal O Globo), Otávio Cabral (TV Globo), Mônica Bergamo (Folha de São Paulo) e Leandro Demori (EBC e famoso por denunciar combinações entre juízes e o Ministério Público na Operação Lava-Jato).