
Ainda é cedo para dizer se o cessar-fogo precário entre Israel e Irã, mediado pelos EUA, vai durar. A torcida a favor é grande, sobretudo entre os alvos civis do conflito. Além das mortes, é preciso analisar como se chegou a elas e por que o panorama no Oriente Médio está em acelerada transformação.
É importante ressalvar que o atual conflito foi gestado a partir de um ataque terrorista do grupo muçulmano palestino Hamas, que matou em menos de 24 horas cerca de 1,2 mil israelenses, em setembro de 2023. A maioria absoluta das vítimas eram jovens desarmados, que participavam de uma festa. A resposta israelense veio com ira e bombas, que arrasaram a Faixa de Gaza, área do Território Palestino sob controle do Hamas. Israel chegou a calcular que eliminou 20 mil integrantes do grupo extremista palestino, mas muitos civis palestinos morreram nos bombardeios.
É consenso entre observadores internacionais que o objetivo do Hamas com o maior ataque terrorista já desfechado contra Israel era impedir que os judeus concretizassem uma aliança comercial e política com os ricos países do Golfo Pérsico. Tratados nesse sentido já vinham sendo firmados e o grupo extremista temia ficar sem apoio à causa palestina por parte das nações árabes.
Se era essa a meta, o tiro saiu pela culatra. Os árabes não só deixaram de socorrer militarmente ao Hamas, como o Território Palestino (que tinha relativa autonomia política) está hoje todo sob controle militar israelense - numa represália do governo do premier israelense Benjamim Netanyahu para tentar retirar qualquer apoio aos terroristas. Pode ser que funcione, pode ser que isso resulte em nova geração de extremistas com ódio por Israel, mas o primeiro-ministro israelense optou por esse caminho. Até porque uma guerra galvaniza a opinião pública de seu país e torna secundários os problemas que o próprio Netanyahu enfrenta, como acusações de corrupção.
Com a capacidade militar do Hamas destruída, Israel reagiu também aos frequentes ataques que sofria de outra milícia, os xiitas libaneses do Hezbollah, que costumam acossar os judeus em seu território. Os israelenses destruíram várias bases guerrilheiras, enviaram tropas Líbano adentro e mataram muitos integrantes desse grupo muçulmano em 2024, mandando um recado forte.
Por fim, 2024 também trouxe a troca de comando na Síria. A família Assad, que governou os sírios por mais de 50 anos e sempre foi hostil a Israel, foi expulsa do seu próprio país. Foi o desfecho de um lento processo de acomodação interna entre os sírios, que começou na Primavera Árabe (2011) e levou a uma guerra civil de quase 15 anos.
Os Assad são de uma corrente minoritária entre os muçulmanos (alauíta) e contavam com apoio político e militar dos cristãos, além dos xiitas. Quando as coisas pareciam calmas, em 2024, os Assad tiveram de abandonar o país em meio a uma ofensiva-relâmpago deflagrada por várias milícias sunitas (a corrente majoritária do islamismo).
Curiosamente, poucos dias antes da derrota do regime Assad, Israel realizou diversos bombardeios a aeródromos e bases navais sírias, destruindo grande parte da capacidade militar do regime sírio. Coincidência? Difícil acreditar nisso, para quem conhece o Oriente Médio, onde vigora o ditado de que "o inimigo do meu inimigo é meu amigo".
Importante ressaltar que os três adversários regionais de Israel enfraquecidos militarmente em 2024 (Hamas, Hezbollah e o regime sírio) eram sustentados política e belicamente pelo Irã. Seria até lógico que o próximo passo de Israel fosse uma incursão contra os iranianos - e isso se concretizou agora, em meados de 2025.
A alegação dos israelenses é que o Irã estava prestes a fabricar bombas nucleares. As agências internacionais de controle do uso de energia atômica confirmam essa informação, o que ajuda a fornecer a Israel um argumento político. Só que a ajuda mais importante foi militar e veio do maior padrinho israelense no mundo, os Estados Unidos da América. O presidente norte-americano Donald Trump não só justificou a "ação preventiva" israelense como a apoiou fisicamente, jogando bombas de tremendo impacto destrutivo na maior e mais profunda usina nucelar iraniana.
O Irã reagiu (até para dar uma satisfação a seu público interno) com mísseis contra a base militar norte-americana no Emirado do Catar, um dos raros que intermediava negociações de Israel com a Arábia Saudita (inimiga do Irã). É uma atitude que pode ter fechado uma derradeira porta diplomática dos países árabes para com os iranianos.
Como se vê, no curto espaço de dois anos Israel neutralizou (ou pelo menos enfraqueceu muito) quatro inimigos regionais: Hamas, Hezbollah, Síria e Irã. Parece ter, dessa forma, pavimentado o caminho para ser respeitado por parte de outras nações do Oriente Médio que outrora lhe eram hostis. Resta saber se os diversos grupos extremistas muçulmanos vão se submeter a essa novidade geopolítica.