O jornalista Guilherme Jacques colabora com a colunista Giane Guerra, titular deste espaço.

A inadimplência chegou à reta final do ano avançando. No Rio Grande do Sul, quatro em cada 10 adultos estavam nesta situação em novembro, o dado mais recente. É menos do que no Brasil, que tinha 45,5% da população economicamente ativa comprometida. Não significa que a situação dos gaúchos seja melhor. Sobretudo pelo prognóstico apontado pelo economista da Serasa Experian Luiz Rabi, em entrevista ao programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha.
Como podemos avaliar o cenário atual?
Ter 45,5% da população adulta inadimplente é um recorde histórico. O Brasil nunca teve tantas pessoas inadimplentes como no encerramento do ano. Afinal, praticamente encerrou o ano. O dado de dezembro é só mais um, mas o perfil de 2024 está dado. Já o Rio Grande do Sul tem o mesmo percentual que tinha em novembro de 2023. Houve uma certa estabilidade, em um Estado que passou por tudo que passou em maio do ano passado. Mas, ainda assim, é um patamar muito alto. Quatro em cada 10 gaúchos estão nessa situação. Só não houve uma deterioração como nos outros Estados.
Durante a enchente, negativações foram suspensas e depois muito dinheiro foi injetado na economia gaúcha. Pode ter influenciado?
Pode, sim. Se acompanharmos a evolução ao longo do ano, tínhamos antes de maio, 3,6 milhões de inadimplentes. Após a tragédia, caiu para 3,2 milhões. Então, vemos que o fluxo de saída continuou ocorrendo, porque as pessoas conseguiram pagar suas dívidas, e não houve aumento por conta da interrupção da negativação. O problema é que, a partir de agosto, com a normalização, volta a subir em todos os Estados. E a causa desse aumento, entre o terceiro e o quarto trimestre, é a inflação.
Qual o impacto da inflação?
Ela ficou acima da meta estabelecida pelo Banco Central no ano passado (era 3%, ficou em 4,83), principalmente entre os alimentos, o que bate muito forte nos consumidores de baixa renda. Isso faz um estrago. Corrói o poder de compra e gera esse efeito, como aconteceu durante a pandemia, lá em 2021, 2022, quando tivemos um surto inflacionário e a inadimplência também subiu.
Duvido muito desses estudos que são publicados dizendo que as bets puxaram ou podem estar puxando a inadimplência.
LUIZ RABI
Economista da Serasa Experian
Um tema muito em alta são as bets e o efeito que podem causar no endividamento. É possível ver influência?
Não conseguimos olhar o impacto de algo isolado sobre a inadimplência. Mas as pessoas gastam suas rendas com diversos itens. As bets, hoje, são um item que faz parte da cesta de consumo de muitas pessoas. E é muito difícil identificar qual foi o gasto que acabou provocando a inadimplência daquela pessoa. Pode ter sido as bets, pode ter sido outra coisa, inclusive a corrosão da inflação no bolso do consumidor. É muito difícil isolar esse fator, para tentar explicar ou justificar. É claro que isso é uma preocupação. A partir do momento que você começa a se descontrolar, nas suas finanças, em função de qualquer vício, pode ser bets, pode ser álcool ou drogas, acaba gerando inadimplência. Eu duvido muito desses estudos que são publicados dizendo que as bets puxaram ou podem estar puxando a inadimplência, porque existem milhares de decisões de consumo que as pessoas tomam. Acho que quem estuda esse assunto precisa se debruçar um pouco mais em cima dos números para tirar conclusões.
A tendência é piorar?
Infelizmente, sim. A tendência é piorar porque nós estamos entrando em um novo ciclo de aumento da taxa de juros, que foi provocado pelo aumento da inflação. Quando o Banco Central aumenta a taxa de juros, ele não faz porque ele quer ou porque ele gosta, mas é porque ele é responsável por fazer com que a inflação não se descontrole no país. E a única arma que ele tem é aumentar a taxa de juros. E essa combinação de inflação subindo com juros subindo é fatal para a inadimplência. A inflação corrói o poder de compra e a capacidade de pagamento de dívidas e o juro mais alto encarece a dívida. Isso gera um novo ciclo de inadimplência, é praticamente inevitável. A tendência em 2025, pelo menos nessa primeira metade do ano, é de continuar vendo esses números subindo.
Em um cenário de inflação e de juros subindo, além do desemprego, que deve aumentar, não é hora de se endividar.
LUIZ RABI
Economista da Serasa Experian
Piora muito rápido e demora para melhorar...
Sem dúvidas. A gente costuma falar que inadimplência sobe de elevador e desce de escada. Para subir, de fato, é muito rápido, porque o impacto no bolso do consumidor é quase imediato. Só que as pessoas não conseguem ajustar o seu orçamento de forma tão rápida assim. Há os compromissos que já foram assumidos. Quem tem filho na escola tem que continuar pagando. Quem tem plano de saúde também vai ter que continuar pagando. Então, é preciso seguir honrando esses compromissos de alguma forma e o salário está cada vez mais curto.
Qual o conselho para se organizar?
Em um cenário de inflação e de juros subindo, além do desemprego, que deve aumentar, não é hora de se endividar. É importante pagar, quando for possível, renegociar e antecipar o pagamento de contas. A tendência é piorar. Nós, inclusive, melhoramos nossa ferramenta. Antes, a pessoa pagava e demorava cerca de nove dias para limpar o nome e atualizar o nosso score (a pontuação). Neste ano, estamos implementando uma baixa automática. É um incentivo para as pessoas quitarem suas contas e já liberarem seu nome.
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Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Jacques (guilherme.jacques@rdgaucha.com.br) e Leia aqui outras notícias da coluna