“Tia, olha!”, me chamou um gurizinho em um dos abrigos de Porto Alegre nos quais estive. Ele apontava para os pés. Eu disse: “Tu ganhou um tênis!”. E ele: “Não, dois!” Ah, claro… Ele ganhou um tênis para cada pé, por óbvio. O par de calçados novos realmente destoava do ambiente, soturno, com roupas e edredons enchendo sacolas de plástico. Não é “mais uma enchente”, diz mesmo quem mora nas ilhas e já viveu muitos alagamentos . Essa foi “muito pior”, cravam. E perguntam: “agora vai ser assim?” Não sei.
A pergunta do pessoal de Porto Alegre é a mesma que ouço desde o ano passado dos moradores de Muçum, Roca Sales, Encantado…. É a mesma de todo o Rio Grande do Sul. Outro pequenino, de dois aninhos, me pediu para abaixar para conversar com ele. Agachada, olhando nos meus olhos, ele disse: “água entrou na minha casa”. Pensei em dizer que ao menos ele estava ali e bem, mas lembrei de não minimizar o pesar de ninguém. Expliquei que choveu muuuuuito, que a água vai baixar e que vai ter gente para ajudar a família dele.
A enxurrada devasta o Rio Grande do Sul. Não conseguimos segurá-la nem desviar direito. Eu não disse ao menino que a água pode entrar de novo na casa dele, caso ela ainda esteja lá no lugar.
Nunca quis sair da minha terra, do meu “Rio Grande”. Decidi abrir aqui meu espaço profissional e até batalhar para trazer de volta quem eu amava e que ficou um tempo fora. E ainda não quero sair. Não sei se agora será sempre assim, mas temos que considerar que talvez sim. Nosso território precisa estar mais preparado, como prega a justiça climática (ouça o podcast abaixo), que avisa que os mais vulneráveis sofrem mais. Nos afastaremos dos rios, vamos reconstruir suas margens desmatadas, faremos estruturas mais fortes de contenção, prédios adaptados. Mas não se pode perder tantas empresas, moradias e vidas assim.
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Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Jacques (guilherme.jacques@diariogaucho.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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